São Paulo, sábado, 7 de outubro de 1995
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Rompendo os vícios da saúde

JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI

As fraudes que haviam diminuído em alguns Estados com a implantação da unificação e descentralização do sistema de saúde, em 1987, recrudesceram vigorosamente a partir de 1991, quando se inicia a contra-reforma ``liberalizante" da saúde, ao arrepio da Constituição e da lei 8.080. Hoje elas permeiam e corroem o sistema.
A fraude do faturamento indevido (só neste mês foram detectadas 130 mil), que é ``justificada" pela precariedade das tabelas e atraso dos pagamentos; o parasitismo que os planos de saúde exercitam sobre os hospitais públicos -encaminhando pacientes, particularmente para procedimentos mais complexos (diminuindo seus custos)-; o uso indevido dos próprios públicos (como se fossem privados) por alguns grupos médicos, internando aí pacientes particulares e cobrando pessoalmente honorários médicos, e a enorme ociosidade dos serviços públicos, decorrente da falta de prioridade para a saúde pelas autoridades competentes, são algumas das fraudes mais conhecidas.
Ousaria dizer que, entre essas e outras, ``desperdiça-se" metade das já parcas verbas da saúde no Brasil. Entretanto, as duas piores, por serem extremamente perversas, são a ``cobrança por fora" do doente pobre e fragilizado no momento difícil da doença e o não-atendimento dos casos graves pelos hospitais privados contratados, porque o pagamento não cobre o custo, enviando-os à rede pública sucateada, que os joga em macas ou filas intermináveis.
A municipalização é um instrumento e o seu impacto sobre as fraudes e melhora do atendimento médico depende da forma como for utilizada. Ela não deve ser uma simples delegação de funções (prefeiturização), mas uma parceria constante e inteligente entre os diferentes níveis do sistema.
As autoridades municipais ou as regionais nas grandes cidades devem ficar com recursos e responsabilidade da execução, porém às instâncias governamentais estaduais e federais caberá a normatização, o controle e a avaliação, de forma contínua, próxima e integrada aos sistemas locais de saúde.
A concretização dessas medidas levará a um melhor gerenciamento, maior responsabilidade gestora e menos fraude pela proximidade e, principalmente, pelo controle social que advém da possibilidade do usuário ter acesso fácil ao gestor -que vive na mesma comunidade-, podendo reclamar, fiscalizar ou sugerir sobre as ações de saúde.
Como o processo é relativamente complexo, e a quantidade e qualidade das distorções e fraudes são grandes e sofisticadas, a municipalização poderá exercer um controle gradativo. Não será uma panacéia e só será eficiente se a descentralização for implantada corretamente e junto com políticas adequadas de recursos humanos, medicamentos, equipamentos e instalações calcadas em planos locais e regionais de saúde, além de programação orçamentária integrada com continuidade administrativa.
É preciso, entretanto, lembrar que medicina transcende a tecnologia ou a estratégia de gestão. Na sua essência, é um encontro ético e fraterno, que ressurge quando se insere a saúde na tessitura social de uma pequena comunidade, onde as pessoas se conhecem e se respeitam.

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