São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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Uma intuição poderosa

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se é verdade que a maneira heterodoxa pela qual o grupo de jovens professores da USP mobilizou os escritos de Marx no início dos anos 60 foi desembocar numa nova ``intuição do Brasil", como afirma o crítico Roberto Schwarz, não é menos verdadeiro que o momento culminante dessa intuição é o ensaio ``As Idéias Fora do Lugar", escrito pelo próprio Schwarz e publicado pela primeira vez em 1973.
O texto é uma espécie de síntese concentrada dos achados do grupo, ao mesmo tempo em que arma o esquema geral a partir do qual a obra de Machado de Assis iria ser lida como momento privilegiado para se decifrar o funcionamento particular da sociedade brasileira.
Talvez por excesso de modéstia de seu autor, não fica claro para o leitor do ensaio que o Mais! publica hoje qual o passo à frente que Schwarz deu em relação às idéias que fermentaram ao seu redor, no que tange à crítica da cultura.
Instruído pela obra de FHC, que àquela altura já havia esquadrinhado a feição dependente e desigual que o desenvolvimento capitalista havia assumido no Brasil, Schwarz tira as consequências para a vida ideológica de uma modernização que não se fazia contra o atraso, mas às suas custas, repondo-o no interior da nova ordem burguesa sob as mais variadas formas.
Basta lembrar sumariamente a análise que o autor faz das ``Memórias Póstumas", onde, depois de mostrar que a volubilidade é o princípio formal do romance, identifica, no passo seguinte, essa volubilidade no movimento de uma sociedade para a qual ``a infração, além de infração, é norma, e a norma, além de norma, é infração". Progresso e atraso trocam de lugar a todo instante.
Ao amarrar num mesmo esquema interpretativo o nexo de fundo entre escravidão, capitalismo e paternalismo e tirar daí o padrão de nosso ziguezague espiritual, Schwarz talvez tenha tido a intuição intelectual mais poderosa do pensamento brasileiro dos últimos tempos.
A nossa comédia ideológica, nossa atrofia congênita, o fundo falso da cultura nacional (expressões diletas do filósofo Paulo Arantes, o herdeiro de Schwarz), são todas formas de nomear uma mesma desgraça, cujo esclarecimento vai ficar devendo de uma vez por todas à lâmpada que acendeu na cabeça daquele que é, sem nenhum favor, o nosso mestre da periferia do capitalismo.

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