São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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Euclidianos discutem reinterpretações

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O revisionismo de ``Os Sertões" provoca controvérsia entre os estudiosos do tema. Para o historiador baiano José Calasans, 80, desde 1950 devotado ao assunto, a crítica à letra euclidiana remonta aos anos 50. Diz que o maior problema de Euclides foi ter ``prendido o Conselheiro na gaiola de ouro de `Os Sertões' ". ``Ninguém teve coragem de contestá-lo por muitos anos. Há trechos que não estão corretos e alguns com os quais não concordo. Mas, se não fosse ele, quantos ainda se lembrariam de Canudos?"
A mesma opinião nutre o antropólogo e advogado Adelino Brandão, 70: ``É natural que cada geração faça sua leitura. Mas o que ficou? `Os Sertões" '.
O professor de literatura da USP Roberto Ventura, 39, acha que a fé nas idéias do livro continua sendo seguida por grande parte dos estudiosos, ainda que os historiadores as tenham refutado.
Calasans não leu Levine e Villa. Aprova o ensaio de Bernucci, com ressalvas. ``Gostei do livro. Euclides não era chegado a citações. Mas isso não quer dizer plágio. Não era costume na época elaborar notas e citações. Euclides se vale de diversas fontes."
O estudioso baiano discorda do questionamento da foto de Conselheiro: ``Não tenho dúvida de que é a fisionomia do Conselheiro. Foi feita por ordem do general Barbosa, que queria que todos soubessem da morte do líder. Dois correligionários dele reconheceram o corpo. E a cabeça foi cortada e exposta ao público".
Segundo Ventura, a leitura de Levine e Villa está correta, mas ele não compartilha de parte dos argumentos de Bernucci: ``Euclides não errou ao não citar fontes. O ato não pode ser considerado apropriação intelectual indevida. Ele esteve 20 dias na Bahia e precisou se valer de jornais e outras obras. A fronteira era tênue entre plágio e uso de fontes. Na época, houve protestos de Plácido de Castro, que acusou Euclides de se valer de informações suas sobre seringais, e de Siqueira de Menezes, chefe da comissão de engenheiros, que jurava que Euclides não havia visto nada da guerra".
Ventura aponta erros no escritor: ``Atribui a Conselheiro a autoria de profecias apócrifas, encontradas no arraial, que diziam coisas como `o sertão vai virar praia e a praia vai virar sertão' e citavam dom Sebastião. Esses textos lhe deram o argumento da conspiração messiânica. Mas destoam dos dois autógrafos genuínos de Conselheiro, que Euclides não conheceu. Trazem citações em latim e observam os limites dos beatos na tradição católica. Conselheiro não era o fanático que Euclides retratou nem Canudos uma comunidade messiânica caótica, onde o amor era livre e havia comunhão de bens. O arraial tinha a economia voltada ao curtume".
Ao contrário de Bernucci, nenhum dos especialistas enxerga uma escritura rápida e descuidada em ``Os Sertões" nem o eufemismo das censuras ao Exército. ``É a crítica mais contundente jamais escrita sobre o Exército", afirma Ventura. ``Ele não mitigou suas posições, antes as aprofundou."
``Ele refugou o manuscrito", completa Brandão. ``Nuançou a opinião. Mesmo assim, no texto definitivo chama generais de covardes e cúmplices de crimes." Segundo Ventura, a importância de Euclides ``foi ter construído, a partir de Canudos, a primeira interpretação do Brasil, num tipo de impulso que iria desembocar nos anos 30 em `Casa Grande & Senzala', de Gilberto Freyre, e `Raízes do Brasil', de Sérgio Buarque de Holanda". (LAG)

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