São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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A adequada transferência para a linguagem da `tribo' adolescente

KATIA CANTON
ESPECIAL PARA A FOLHA

É fácil constatar que qualquer discurso fica muito mais eficiente quando adaptado à linguagem do público a que se destina. Difícil é conseguir sintonizar-se com a tal linguagem.
Pois Rosely Sayão é mestre nessa transferência. Escreve sobre sexo para adolescentes com a espontaneidade de quem de fato pertence a essa `tribo'. Utilizando o slogan da "responsabilidade sem seriedade, ou da "responsabilidade com humor, a psicóloga empresta o mesmo tom de rebeldia corriqueira utilizada pelo público teen a que se dirige.
E então, com essa alegre "apropriação autoral", Sayão vai desfilando ensinamentos imprescindíveis à geração ano 2000.
Essa geração é inicialmente brindada. A autora lembra o privilégio de se viver numa era de mirabolantes facilidades tecnológicas, na qual o acesso à informação é quase ilimitado e a ciência se supera diariamente.
Mas, como adora repetir a própria Sayão, há sempre algo para estragar o paraíso. E esse algo é, obviamente, a Aids.
Focado no perigo da doença, o livro prega a todo instante o uso incondicional e incontestável da camisinha. Nesse ponto, a abordagem de Rosely Sayão é nua e crua, despida de qualquer traço de saudosismo de uma outra geração (a anterior) que viveu o sexo "ao natural":
"Se você começar a transar com a camisinha, vai ser mais fácil continuar assim sempre. Já, se você começa sem ela, vai ser muito mais difícil modificar esse comportamento", diz a autora.
Isso acontece, por exemplo, quando Sayão acusa os que se esquivam da "borrachuda", repetindo clichês do tipo "é como chupar bala com papel" ou "comer banana com casca". Rosely Sayão lembra a todos que esse lengalenga surgiu nos anos 60 e que, hoje, os tempos são bem outros. "Por acaso você sai por aí falando `é uma brasa, mora?"', pergunta ao leitor.
Articulando o livro com a mesma naturalidade com que se abrem e fecham gavetas de uma cômoda cheia de roupas, Sayão vai alternando assuntos ligados à sexualidade na adolescência. Algumas partes do texto lidam com "peças básicas", comentando assuntos como atração, masturbação, orgasmo, "ficar versus namoro", gravidez, doenças sexualmente transmissíveis. Outras partes contêm explicações sobre assuntos menos corriqueiros, tais como a ginecomastia, a insegurança quanto a partes do corpo, sonhos eróticos, vergonhas.
Mesmo evitando a cartilha moralista, Rosely Sayão salpica suas explicações com opiniões extra-didáticas. Ao comentar o fato de que a maioria dos métodos anticoncepcionais é dirigida apenas à mulher, ela acrescenta: "Medicina mais machista, fala a verdade!.
A autora é também honesta ao estabelecer limites ao redor do liberdade sexual. Sem medo de não soar "moderna", ela afirma categoricamente: "com membros da família, não pode!". E sela o incesto como tabu intransponível.
Rosely Sayão também fala do homossexualismo com extrema dignidade. Resta apenas uma dúvida, quanto a irreversibilidade que ela imprime à opção sexual.
"Seguinte: por acaso uma pessoa que é heterossexual pode chegar um belo dia e decidir mudar, ser homossexual? Não pode, não consegue. Mesma coisa como os homossexuais."
À parte essa frase, um tanto fatalista, ``Sexo" é um livro altamente antenado, sensível, pungente. Como a geração ano 2000.
PS: As ilustrações de Angeli são suculentas.

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