São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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Os mecanismos da tolerância

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

O filósofo José Arthur Giannotti e o teólogo Frei Betto tiveram uma conversa difícil, na noite de terça-feira retrasada. Reunidos em um debate sobre o tema ``religiões", os dois só encontraram um ponto comum: a necessidade de tolerância. Mesmo assim, com proposições radicalmente opostas.
Frei Betto defendeu o ecumenismo, a convivência de todas as religiões, a busca de Deus acima das instituições. Giannotti disse que a única possibilidade de tal tolerância é o próprio fim de todas as religiões institucionalizadas.
O debate fez parte da série ``Diálogos Impertinentes", promovida pela Folha e pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), com transmissão ao vivo pela TV PUC por meio das TVs pagas NET e Multicanal. Foi mediado pelo jornalista Caio Túlio Costa, diretor de Revistas da Folha, e pelo professor Mário Sérgio Cortella, do departamento de teologia da Pontifícia Universidade Católica.
Giannotti sustentou a tese de que qualquer religião, ao se fundamentar sobre a palavra revelada de um deus, ao identificar seu próprio deus, estará excluindo todos os que não compartilhem da mesma crença. No próprio ato de fundação, toda religião já afirma seu sectarismo.
O filósofo vê mesmo um erro lógico nas religiões: atribuir o sentimento de religiosidade que brota da angústia da finitude humana a um ser exterior. Uma angústia que se manifesta, por exemplo, frente a obras de arte.
``Quantas vezes, ao ouvir Bach, tenho a nítida sensação que gostaria de me ajoelhar e dizer: é muito grande isso que estou ouvindo. O erro lógico da religião é imaginar que essa experiência tem um correlato qualquer a não ser a experiência da nossa finitude", disse o filósofo.
Frei Betto descartou as elaborações de Giannotti por princípio. ``O Deus dos filósofos não me interessa muito. Interessa o Deus do Evangelho. Não o Deus sobre o qual se fala e se pensa, mas o Deus no qual se crê e, sobretudo, que se vive", disse o teólogo, no início do debate.
Viver Deus, para Frei Betto, não é apenas uma experiência de foro íntimo, mas um projeto político. É o engajamento para tornar a sociedade ``mais solidária e mais fraterna". O teólogo se autodefiniu como ``um socialista por motivação religiosa".
Os debatedores estavam em campos excludentes. A fé em Deus de Frei Betto e a certeza de Giannotti sobre a inexistência divina impediram um verdadeiro diálogo.
O que não significa que Frei Betto tenha professado opiniões ortodoxas. A defesa que fez da tolerância religiosa o levou a negar na prática a necessidade do sacramento da eucaristia, em situações como a evangelização dos índios.
Além disso, rituais como o do candomblé poderiam criar experiências místicas mais fortes do que a missa católica -definida como ``coisa de branco elitista".
Assim, o teólogo defendia a idéia de que é possível uma religião desligada do peso das instituições. Por isso, criticou o desejo do Vaticano de controlar de perto a Igreja em todo o mundo -é preciso deixar espaço aberto para a regionalização e o respeito às culturas locais.
Esses argumentos não entusiasmaram Giannotti, que considera impossível uma religião firmar-se a não ser como instituição. E, no mundo moderno, isso significa brigar por espaços na TV, ter sua própria emissora, buscar recursos para bancar sua divulgação.
Os ``Diálogos Impertinentes" prosseguem no dia 31 de outubro, com o tema ``Inteligência Artificial" e se encerram em 28 de novembro, com ``Fronteiras".

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