São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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'O amor é um projeto político'

FREI BETTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Deus dos filósofos não me interessa muito. Interessa o Deus do Evangelho. Não o Deus sobre o qual se fala e se pensa, mas o Deus no qual se crê e, sobretudo, que se vive. Para nós, cristãos, Deus se resume na historicidade de Jesus Cristo.
Dostoiévski dizia que ainda que provassem que Jesus não está com a verdade, ele ficaria com Jesus. Eu também. A experiência de Deus é o fundamental e não tanto aquilo que nós proclamamos como convicção racional, como crença.
(...)
Muitas igrejas neopentecostais têm um grande êxito justamente porque cuidam do problema imediato. Uma mulher vai ao templo -ele tem a porta na calçada, está aberto o dia inteiro e tem sempre alguém para atender- e diz: meu marido me bateu, meu marido levou os filhos embora.
Na hora a comunidade vai lá ajudar a cuidar do problema. Não é ``ah! vamos tratar, vamos discutir". Não. Vai lá e trata. Eu acho isso fantástico e lamento que na Igreja Católica não haja esse estilo de solidariedade."
(...)
Há corruptos em todas as igrejas, em todas as religiões, como há também santos, íntegros e pessoas de uma vida exemplar. Não é que a outra igreja seja satanizada e a minha igreja seja angelical. Eu não tenho nenhum problema com o fato de o Edir Macedo se autodenominar bispo.
O que me custa a entender é quando alguém faz da experiência religiosa uma ruptura, um preconceito, uma muralha, uma barreira e não uma universalidade, um ecumenismo, uma catolicidade.
A palavra ``católico" significa universal e a gente fica disputando essa guerrinha inutilmente. Porque todos nós -inclusive o professor Gianotti, que não crê em Deus- ao morrer iremos para o mesmo lugar sem nenhuma diferença e, eu acredito, será para a face de Deus.
(...)
O candomblé tem dimensões evangélicas. O papa pode até não gostar que eu diga isso, mas ele tem que concordar porque o ``Concílio Vaticano 2º" tem um documento que diz que todas as religiões têm sementes evangélicas e o desafio é ser capaz de detectar esses sinais evangélicos e não querer destruí-las, colonizá-las, aniquilá-las, como foi feito durante a colonização ibérica na América Latina.
(...)
No Evangelho a grande crítica de Jesus não é àqueles que não têm religião, mas justamente àqueles que têm uma religião excessivamente institucionalizada, que ele chama de sepulcros caiados, raça de víboras e possivelmente outros nomes que não convinha aos evangelistas registrarem.
Mas a dimensão de Jesus é uma dimensão inversa dessa. A própria experiência dele é a de desinstitucionalizar a religião da sua época e por isso ele termina condenado.
Não podemos esquecer que Jesus morre como prisioneiro político -e sempre digo, todos nós cristãos, queiramos ou não, somos todos discípulos de um prisioneiro político.
(...)
O que importa é que a sociedade seja uma sociedade amorizante, que a sociedade seja reflexo da comunhão trinitária. Três pessoas absolutamente distintas, iguais em natureza e em comunhão de amor. O amor para mim é mais do que uma experiência humana, é um projeto político.
No fundo, ou a política vai na direção de construir uma sociedade amorizante ou a política é cínica. Esse é o nosso grande desafio. Não é ficar falando das religiões. É ficar falando o seguinte: como é que a gente vai construir uma sociedade na qual as pessoas sejam mais solidárias, mais cúmplices, mais fraternas.
É esse o desafio e não uma sociedade como nós estamos construindo hoje do ponto de vista econômico de excluídos.

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