São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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Mito de Perón mantém força no seu centenário

Eleição hoje traz marca do caudilho nascido há 100 anos

DENISE CHRISPIM MARIN
DE BUENOS AIRES

Os argentinos lembram hoje os cem anos de nascimento do general Juan Domingo Perón (1895-1974) mergulhados em um cenário político que distanciou a doutrina peronista de seus ideais tradicionais.
Uma eleição que acontece hoje em duas Províncias e na cidade de Buenos Aires serve para marcar a dominância que o peronismo ainda exerce na política argentina -mesmo que muito modificado.
As pesquisas indicam que o PJ (Partido Justicialista), de origem peronista, deve vencer o segundo turno da eleição para governador no Chaco e que um partido provincial -que apóia o PJ- deve ganhar em Neuquén.
A grande perda do peronismo se dará em Buenos Aires, onde Graciela Fernández Meijide, do Frepaso (Frente País Solidário), deve ser eleita senadora.
Para o cientista político Rosendo Fraga, 43, diretor do Centro de Estudos para a Nova Maioria, o presidente Carlos Menem transformou o peronismo, de um partido trabalhista, em uma legenda conservadora popular.
``O que sobrou de Perón foi seu pragmatismo", afirma Fraga. ``O mesmo pragmatismo que o levou a ser simpatizante do fascismo nos anos 40 e de Fidel Castro na década de 70."
A dominância do peronismo hoje, segundo Fraga, não se verifica apenas com o fato de o Partido Justicialista ter tido 50% dos votos em 14 de maio último, quando Menem foi reeleito.
Também é relevante a divisão da oposição ao peronismo. Nos últimos dois anos, a União Cívica Radical perdeu seu caráter opositor e parte do eleitorado.
A Frepaso começa a firmar-se como partido contrário. Mas traz divergências internas -resultado de sua aliança entre peronistas históricos e setores clássicos da UCR.
Perón continua sendo figura de apelo popular explorada em campanhas eleitorais e sindicais. Seu rosto estampa cartazes que pedem justiça social e o fim do desemprego, que atinge 18,6% da população economicamente ativa do país.
Entretanto, ele divide com sua segunda mulher, Eva Duarte (1919-1952), o posto de maior mito argentino deste século. Justamente Evita, cuja figura ele assegurava haver construído.
Perón exerceu três mandatos como presidente da Argentina. Assumiu pela primeira vez em 1946, foi reeleito em 1951, derrubado (e exilado) em 1955 e, finalmente, eleito pela última vez em 1973.
Militar culto e distante dos moldes prussianos dos oficiais argentinos da época, Perón tocava piano, lia livros de história e dirigia peças de teatro para os soldados.
``Ele era extremamente afável, cativava até mesmo seus inimigos", afirma o historiador Fermín Chavez, que estudou o peronismo e acompanhou o retorno do general à Argentina nos anos 70.
Pouco conformado com as regras sociais, Perón iniciou um relacionamento considerado escandaloso com a jovem atriz de cinema e de radionovela Eva Duarte, em 1944. Em 1945, casaram-se.
Uma conspiração militar em 1943 o levou a desviar sua carreira -tinha o posto de coronel do Exército- para a política. No novo governo, foi nomeado secretário do Trabalho.
É quando inicia um processo de organização do movimento sindical, ao estilo fascista, e de elaboração de meios de proteção aos trabalhadores, ao estilo da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) brasileira.
No próximo dia 17, essa ideologia -peculiar à Argentina e invenção original de Perón- completa 50 anos. Naquela data, uma grande mobilização social exigiu a volta de Perón à secretária do Trabalho, que ele ocupava na época.
Sua lógica política privilegiava a distribuição de renda, a industrialização, a nacionalização de empresas estrangeiras e a aplicação das leis trabalhistas. Pela primeira vez, os argentinos tiveram férias remuneradas, 13º salário e contrato de trabalho.
Esse fato, aliado ao assistencialismo aplicado por Evita, conquistou a fidelidade de várias gerações de eleitores que passaram a reverenciá-lo como um pai, e a Evita, como uma santa.

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