São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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Para autor, Menem desfigurou o peronismo

DENISE CHRISPIN MARIN
DE BUENOS AIRES

Pouco das idéias difundidas pelo general Juan Domingo Perón restaram no peronismo argentino, representado atualmente pelo Partido Justicialista do presidente Carlos Saúl Menem.
Esta é a avaliação de Félix Luna, historiador que vasculhou toda a trajetória de seu país e que escreveu, entre outras obras, ``Perón y su Tiempo" (``Perón e seu Tempo", Editorial Sudaméricana, 995 páginas).
Luna afirma que Menem destruiu a tradição do peronismo e o transformou em um ``partido populista neoliberal".
Também declara que Perón foi um oportunista e que seu retorno, em 1973, foi uma desgraça. A seguir, alguns trechos da entrevista concedida à Folha.
(Denise Chrispim Marin)

Folha - Qual a importância do peronismo na Argentina?
Félix Luna - Desde que surgiu, em 1945, o partido peronista se tornou majoritário. Foi um referencial importante, quando estava no governo e também na clandestinidade ou na oposição.
Com o decorrer dos anos, ficou provado que não se podia governar sem o peronismo ou com essa força na oposição.
Folha - Pode-se dizer que, hoje, o peronismo não tem mais nada em comum com o conceito concebido pelo próprio Perón?
Luna - Há muito pouco do peronismo tradicional na política argentina. Mas os sentimentos continuam sendo peronistas.
O partido não tem mais a grande maioria que antes, mas setores importantes continuam votando no peronismo sem se importar com a política de governo.
Folha - Por que acontece isso?
Luna - Porque os argentinos são muito sentimentais e têm saudades da época de Perón. Os dois primeiros mandatos dele foram prósperos. Havia emprego, privilégios aos trabalhadores e o uso excessivo do aparelho partidário.
Folha - Carlos Menem rompeu com a tradição peronista?
Luna - Menem transformou o peronismo em um partido populista neoliberal.
Folha - Perón tinha fascinação pela figura de Benito Mussolini?
Luna - Sim. Ele esteve na Itália, viu o espetáculo do fascismo, ficou impressionado. Copiou depois a propaganda, as grandes concentrações de massa, emblemas, o conceito de liderança. Mas não se pode dizer que era fascista.
Folha - O peronismo é algo autêntico da Argentina?
Luna - Eu acredito que sim. Foi um invento de Perón. A repressão a seus opositores foi severa, mas não chegou à crueldade.
Folha - Mas houve forte censura à imprensa.
Luna - Mais que censurar, Perón tinha uma forma de pressionar a imprensa. O governo importava o papel e o distribuía conforme a posição de cada jornal. Os mais independentes, como o ``La Nacion", tinham quatro pagininhas. Os oficialistas tinham 30 páginas.
Folha - Na sua opinião, Perón foi um bom governante?
Luna - Não. Foi um oportunista. Em sua primeira fase, fez a distribuição de renda para as classes populares, mas não havia um sistema produtivo capaz de sustentar essa política. Estamos pagando hoje o custo gerado nesta época.
Folha - O senhor acredita que as vantagens oferecidas eram ilusões?
Luna - Creio que sim. Perón contava com uma Terceira Guerra Mundial, entre a ex-União Soviética e os Estados Unidos, que daria a oportunidade para a Argentina enriquecer.
Folha - Os argentinos se lembram mais do peronismo por causa de Evita do que do próprio Perón?
Luna - Sim. Esta mulher, sem formação, em seis anos se transformou em uma potência como Perón. Tornou-se um mito.
Folha - Por que os argentinos apoiaram a Revolução Libertadora, que derrubou Perón em 1955?
Luna - O povo estava cansado. Perón havia se confrontado com a Igreja, que lhe fazia oposição. Havia deixado que grupos peronistas queimassem templos católicos.
Em 21 de agosto, ele fez um discurso louco, no qual ameaçou a oposição militar. Virou, então, questão de vida ou morte.
Folha - Mas foi recebido como herói em 1972 e eleito presidente com 60% dos votos.
Luna - As saudades e o exílio de 18 anos converteram Perón em uma figura mítica. Para os setores radicalizados do peronismo, ele era um Che Guevara. Para os sindicatos, era a garantia de controle da área. Para os políticos, a oportunidade de retorno ao governo.
Folha - Como o senhor analisa a volta dele ao poder?
Luna - Vejo como uma desgraça. Estava idoso, enfermo e sua sucessão ia ser terrível, como foi.

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