São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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Deus existe?

Obviamente não compete a esta Folha responder a tão intricada questão. A crença ou não em um Ente Supremo é sempre uma decisão de foro íntimo, de modo que a um órgão pluralista só resta suspender qualquer juízo. O que importa, como mostrou o debate entre o teólogo frei Betto e o filósofo José Arthur Giannotti, do qual o Mais! de hoje traz os principais momentos, é encontrar formas de tolerância entre os diversos credos.
O número de mortes que as chamadas guerras de religião já provocaram ao longo da história é incalculável, mas certamente supera a marca dos vários milhões.
Giannotti parece ter razão ao afirmar que, com igrejas institucionalizadas que se crêem as únicas portadoras da verdade revelada, o ecumenismo, que seria a expressão última da tolerância religiosa, é, senão impossível, como afirma o professor, pelo menos muito difícil.
Mais fáceis eram os tempos do politeísmo. Quando a oferta de deuses capazes de conviver uns com os outros era grande, os mais variados povos não hesitavam em emprestar deuses uns aos outros. A grega Afrodite, que foi criada a partir da babilônica Ishtar ou de sua versão fenícia, Astarte, acabou tornando-se a Vênus romana.
Quando veio o monoteísmo, e a oferta de deuses foi reduzida, começaram as guerras religiosas. A primeira de que se tem notícia é aquela promovida por Amenhotep 4º, que, começando por mudar seu nome para Akhenaton (A Glória de Aton), tentou impor, ``manu militari", esse novo deus como deus único, inclusive para os estrangeiros. Houve saques e pilhagens contra vários templos. Akhenaton morreu e, logo, seu filho, Tutankhamon (ex-Tutankhaten), restaurou o bom e velho politeísmo.
Os judeus são possivelmente o povo monoteísta mais antigo do mundo, mas, como sua religião não se pretende universal -é uma aliança entre Jeová e o seu povo escolhido-, não se envolveram em guerras para tentar impor seu credo a outros povos.
A situação de fato piorou no século 7º d.C. Com o catolicismo (palavra que em grego significa ``universal") já bem fincado na Europa e parte do norte da África, e o advento do islamismo, os fiéis desses dois credos começaram a se matar: a expansão do Islã, que chegou ao sul da península ibérica e aos Bálcãs, envolvia naturalmente guerras; a resposta das cruzadas para tentar tampouco poupou vidas. Isso sem falar na Inquisição.
Depois do século 16, com o surgimento do protestantismo, fundado por Lutero e que muito rapidamente se multiplicou em muitos outros movimentos, vieram as perseguições políticas e consequentes movimentos migratórios.
Hoje os conflitos religiosos, felizmente, não costumam mais matar pessoas, mas continuam. Católicos contra pentecostais, pentecostais contra evangélicos tradicionais etc.
Giannotti de fato parece estar certo quando afirma que a tolerância religiosa com igrejas institucionalizadas é virtualmente impossível. Contudo, o próprio fato de as atuais guerras religiosas serem travadas com panfletos e ondas de rádio e TV e não mais com lanças e fogueiras, permite, como deseja frei Betto, antever um futuro no qual, pelo exercício diário da democracia e da tolerância que lhe é inerente, haverá uma sociedade mais solidária, independentemente do credo de tal ou qual cidadão.

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