São Paulo, segunda-feira, 9 de outubro de 1995
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Os juros argentinos

LUÍS NASSIF

A situação argentina é incomparavelmente mais complexa que a brasileira. O país está amarrado a uma lei cambial que praticamente impede o Banco Central de praticar política monetária. Já atravessou dois surtos hiperinflacionários. Enfrenta problemas de desemprego agudo.
Apenas nos últimos meses conseguiu reverter déficits comerciais que se acumulavam há anos. Mantém reservas cambiais instáveis. Câmbio e desemprego, mais as disputas entre seu ministro da Economia, Domingo Cavallo, e o presidente da República mantêm a economia sob permanente tensão.
No entanto, para estabilizar o fluxo de dólares para o país, manter reservas cambiais em níveis satisfatórios e manter os preços sob controle, a Argentina não precisa de mais do que taxas de juros nominais de 0,9% ao mês para aplicações e 2,4% para crédito -respectivamente, 11,4% e 33% ao ano.
No mesmo mês, o Banco Central do Brasil pagava mais de 4% de taxa nominal ao mês (60% ao ano) pelos títulos públicos e o crédito custava entre 8% e 15% ao mês (152% e 435%, respectivamente).
Ao permitir, com a manutenção dessa política monetária, o aumento extraordinário do passivo público e decidir reescalonar as dívidas de Estados e municípios, o presidente da República repete o velho estilo de administração pública -que se supunha superado por sua eleição- de jogar a conta para as gerações futuras.
É o mesmo princípio que levou à quebra de quase todos os Estados brasileiros por administrações irresponsáveis.
Astolfo e a crise
Tenho um conhecido de bar, o Astolfo, que é minha bússola particular para o que pensa o chamado senso comum sobre a economia.
Astolfo é especialista não em bom senso, mas no mau senso comum. É capaz de discorrer horas sobre economia, taxas de juros e emprego, utilizando observações da realidade da forma mais esdrúxula possível.
Por cansaço, o pessoal que pensa a economia de maneira um pouquinho mais complexa evita discutir com o Astolfo. Com sua soberba, prestam um desserviço, pois aos leigos que ouvem a conversa pode parecer que os argumentos de Astolfo têm consistência.
A última do Astolfo foi medir o nível de crise do país pelo aumento do turismo internacional e pelo aumento do número de carros na rua.
Se muita gente está viajando para o exterior ou andando de carro, significa que não existe crise. Logo, todos os indicadores de desemprego não passam de chiadeira de tubarão.
Expliquei ao Astolfo que, nos últimos anos, houve mudança estrutural no turismo internacional brasileiro. A desregulamentação do vôo charter e a tecnologia do turismo de massa no exterior tornaram o turismo externo mais barato que o interno.
Viaja-se muito mais para o exterior há alguns anos, não há alguns meses apenas. Para saber se o quadro atual é melhor do que no ano passado, é preciso comparar o fluxo de turismo deste ano com o do ano passado. Não simplesmente ficar contando turista em aeroporto.
O mesmo ocorre com o movimento de veículos. A gasolina está congelada há um ano, as passagens de ônibus não. Ficou mais barato andar de carro do que de ônibus. Portanto, anda-se mais de carro.
O Astolfo não gostou da conversa. Disse que é típico argumento de lobista da Fiesp.

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