São Paulo, terça-feira, 10 de outubro de 1995
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CD belga reúne percussão brasileira

ATHUR NESTROVSKI

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Erramos: 10/10/95
O nome do crítico Arthur Nestrovski foi grafado incorretamente em artigo publicado à pág. 5-4 ( Ilustrada) da edição de hoje.
"Renovar", ou "make it new", como dizia o poeta Ezra Pound, é um dos gritos de guerra do modernismo, na literatura como na música. Numa como noutra arte, isto leva, às vezes, e quase paradoxalmente, a uma linguagem mais simples, elementar.
Face a uma tradição avassaladora, compositores e poetas se voltam para formas mais antigas, menos cultivadas da expressão, como se aí estivesse uma fonte de linguagem pura. No caso da poesia, isto se traduz pelo uso de uma dicção próxima da falada.
Na música, transparece na fixação dos compositores moderno pelo puro som. Nenhum outro fato revela melhor este interesse dos compositores pela retórica da matéria bruta do que o desenvolvimento da música de percussão.
Desde as peças de Edgar Varèse (1883-1965), no início do século, que virtualmente inventam a percussão moderna como naipe instrumental em pé de igualdade com sopros, metais ou cordas, e de Bartók a Cage, de Messiaen a Boulez, a percussão é o que há de mais original em termos de invenção sonora do nosso tempo.
A eletroacústica, uma irmã mais nova, tem sido sua melhor companheira, como se pode ver nas composições dos últimos 15 anos.
É o que se escuta, também, neste CD do Duo Diálogos (GHA, Bélgica). Reunindo obras de seis autores, o disco é menos brasileiro do que o título dá a imaginar.
Aliás, é precisamente naqueles casos em que o idioma está mais distante do de uma percussão "brasileira, entre aspas, que ele revela uma música original e até com a marca do nosso país.
Isto é verdade tanto para os "Reflexos" de José Augusto Mannis -uma composição despretensiosa, mas elegante, combinando ostinatos e arpejos- quanto, especialmente, para a "Dialética da Praia" de Flo Menezes.
Nascido em 1962, Flo Menezes vem se firmando como o nome mais importante da sua geração. Aqui, mais uma vez, dá mostras de inventividade, e manifesta a segurança, não tão comum neste campo, de quem sabe o que faz.
A partir de uma idéia básica -a transformação de ruídos naturais da praia em sons "artificiais", compostos, e vice-versa- ele desafia gestos virtuosísticos, num ambiente harmônico sofisticado.
É uma música do excesso e ganharia força se conseguisse emagrecer um pouco. Mas Flo é um compositor de verdade e não peca nunca pela falta do que dizer.
Cada uma das demais peças, de Luiz Carlos Csekõ, Eduardo Alvares, Eduardo Seincman e Fernando Cerqueira, tem seus momentos de luz e de meia-luz.
Nenhuma decepciona, mas nenhuma é uma revelação. Em conjunto, mostram não só que existe música contemporânea no Brasil, mas que ela experimenta as mais variadas correntes e influências.
Para quem não os conhece, a revelação mesmo é o Duo Diálogos, que mantém um alto nível instrumental e musical do começo ao fim. Esta música é muito mais difícil de executar do que pode pensar o ouvinte mal-avisado.
Se o CD sofre um pouco da necessidade de fazer vanguarda do jeito que for possível, e sofre também da contingência de oferecer um panorama brasileiro, estas afinal são virtudes, num país quase deserto de oportunidades.
O mínimo que se pode dizer é que o Duo Diálogos tem, como querem os ingleses, "a coragem de suas convicções". Nos melhores momentos, ela faz vir à tona a força maior dos compositores, a coragem de uma sensibilidade.

Disco: Contemporary Percussion Music from Brazil
Grupo: Duo Diálogos
Gravadora: GHA (Bélgica); distribuição no Brasil: HPI, tel. 021/5330841

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