São Paulo, terça-feira, 10 de outubro de 1995
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Carlinhos Brown prepara investida tripla

LUIZ CAVERSAN
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO

O percussionista, compositor, cantor, arranjador e sobretudo baiano Carlinhos Brown, 32, tem pelo menos três bons motivos para comemorar: está pronto para lançamento o 3º disco do seu grupo, a Timbalada, o músico encontra-se neste momento em Los Angeles para gravar uma participação no novo CD do Sepultura e, logo em seguida, entra num estúdio de Paris para terminar seu primeiro disco solo, que sai até o final do ano.
Mesmo diante de tanto trabalho e com previsão mais ou menos óbvia de um final de ano de sucesso, Brown está inquieto como sempre e preocupado em avaliar todos os espaços ocupados pela música baiana, da qual é um dos representantes mais expressivos.
Afinal, embora ninguém tenha registrado isso, foi há 10 anos que surgiu o movimento musical baiano que logo recebeu o rótulo de "axé music e ganhou o país.
Na véspera de viajar para os EUA, Brown reafirmou, em entrevista exclusiva à Folha, no Rio, sua rejeição ao rótulo.
Mas não escondeu a satisfação com o espaço conquistado: "São dez anos de cultura preservada, disse ele, recusando-se também a aceitar paralelismo com a "world music (música mundial). "Estamos mais para `earth music' (música da terra).
Três anos depois da explosão da Timbalada, Brown é uma espécie de faz-tudo no grupo. Compõe, arranja, ajeita composições alheias, cria riffs de guitarra e comanda também o trabalho social desenvolvido na comunidade, pobre, de onde a Timbalada surgiu.
E, principalmente, cria conceitos no mínimo originais para o que está vivenciando: "Nós começamos numa época em que as pessoas jogavam xixi e cocô na gente no Pelourinho, que hoje está restaurado. Mas percebemos que o povo clamava por mais espaço para sua expressão.
Por que a implicância com o "axé music? "É apenas um rótulo. Prefiro imaginar que somos como os seguidores do Che Guevara procurando entender a queda do muro de Berlim. Procuramos praticar um socialismo musical não panfletário e que vá além dos ismos. Nós apenas informamos às pessoas como elas podem descobrir sua capacidade de expressão.
Nascido em um dos bairros mais pobres de Salvador, Brown se autoproclama um semi-analfabeto atento à educação possível das ruas. Diz que sua música e a de seus pares é "ética e étnica, referindo-se aos referenciais multiculturais em que ela se inspira.
"É uma música miscigenada, como todos nós. Somos o país dos caboclos, afirma. Garante que não é contra nenhuma influência externa, mas não se conforma com o fato de os jovens brasileiros "consumirem o rap que fala da violência deles. Prefiro o `me pega agora, flor na mão'±, da canção de Daniela Mercury.
Para contextualizar as inspirações de sua música, que também classifica de "sincrética, Brown busca referências na religião. Diz que é protestante e pratica candomblé, afirma que não aceita a culpa imposta pela Igreja Católica e que é radicalmente contra os "aproveitadores evangélicos.
Tudo isso para chegar à conclusão de que é um "intérprete do contemporâneo: "Ser uma antena para captar essa música sincrética é minha obrigação, garante.
Brown não deixa de estabelecer um vínculo quase obrigatório entre este seu repertório sócio-musical e a Bahia. "Fomos a primeira capital e somos um exemplo de sociedade multirracial e multimusical.
Brown acredita que segue uma predestinação: "Fomos requisitados para a miscigenação. E formamos um pólo cultural fortíssimo, assim como os anglo-saxões formam o deles.
Este é um dos motivos, segundo o músico, que tornam fundamental a busca de referências musicais no próprio passado do país.
"Eu ouço tudo, principalmente música étnica, de raiz. Mas estou o tempo todo voltado para a releitura, a renovação e a criação.

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