São Paulo, domingo, 15 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Soldado-atleta seguia Falcão

RICARDO SETYON
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE SARAJEVO

Um dos fenômenos sociais mais comuns da guerra de cinco anos na ex-Iugoslávia é a transformação de trabalhadores em soldados.
Também jogadores de futebol se transformaram, do dia para a noite, de estrelas em combatentes.
Um deles foi Zoran Markovinic, 28. Sargento do Exército croata, ele era meio-campista do Osijek. Na época, diz, tentava imitar o brasileiro Falcão.
Por falar um pouco de inglês, Markovinic é responsável por deixar passar jornalistas nos postos de choque das zonas de guerra.(RSy)

Folha - Por quantos anos você jogou?
Zoran Markovinic - Durante mais de quatro anos, primeiro no Rijeka, depois passei ao Osijek.
Folha - Como se tornou soldado?
Markovinic - Foi muito rápido. Aconteceu logo após um dos treinos, em 1991. Um oficial do Exército entregou uma carta a mim e a outros quatro companheiros. O técnico me abraçou e eu fui para o vestiário.
Chorei compulsivamente, porque queria defender o meu país, mas estava na minha melhor fase, na melhor idade para jogar futebol. Era titular, marcava gols e era muito querido pela torcida.
Foi um dia horrível.
Folha - E, após isso, você parou de jogar profissionalmente?
Markovinic - Sim. Tive de entrar para uma das divisões de combate na infantaria, porque tinha excelente condicionamento físico.
Durante mais de seis meses, não voltei para casa. E só chutei uma bola numa cidadezinha onde encontrei algumas crianças jogando.
Folha - Você participou de muitas batalhas?
Markovinic - Infelizmente, sim. Sempre fui pacífico, mas, aqui, perdi o controle. Perdi também a conta das batalhas em que lutei, das cidades que conquistamos e dos amigos que perdi.
Folha - Como era a sua vida de jogador?
Markovinic - Ótima. Treinava, jogava e tinha muita fama. Várias vezes fui cogitado para a seleção iugoslava. Chegamos em quarto lugar no campeonato e o meu contrato era excelente.
Tinha um carro do ano e adorava o futebol brasileiro. Tentava imitar o Falcão. Na minha casa havia livros e pôsteres do Falcão, Zico e Maradona. Perdi tudo.
Folha - O que vai fazer quando acabar a guerra?
Markovinic - Espero terminar esta guerra inteiro e vivo. Já será uma vitória enorme para mim.

Texto Anterior: Violência é tradição nas torcidas da Croácia
Próximo Texto: Guarani bate São Paulo e continua líder no 2º turno
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.