São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 1995
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FHC pode fazer a reforma agrária, diz líder sem-terra

PAULO FERRAZ
ENVIADO ESPECIAL AO PONTAL DO PARANAPANEMA

Deolinda Alves de Souza, 25, mulher de José Rainha Júnior, líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), desponta como a nova liderança entre os sem-terra do Pontal do Paranapanema.
Na ausência de Rainha, 35, é ela quem coordena os movimentos de mais de 2.000 famílias acampadas em áreas invadidas na região.
Deolinda acha que o presidente Fernando Henrique Cardoso tem ``condições e capacidade" para resolver os principais problemas sociais do país, inclusive o da reforma agrária. ``Só não faz se não quiser", afirma.
Mineira de nascimento e capixaba de criação, Deolinda negocia com a polícia e com oficiais de Justiça e delegados.
Conversa com políticos e secretários de Estado com desenvoltura e fala de igual para igual com os líderes nacionais do MST.
A Folha entrevistou Deolinda na última sexta-feira em um dos barracões do canteiro de obras da usina hidrelétrica de Taquaruçu, ocupado pelos sem-terra, em Sandovalina (640 km a oeste de São Paulo). A seguir, trechos da entrevista.

Folha - Quando você entrou para o MST?
Deolinda Alves de Souza - Os primeiros contatos foram em 1981, mas só entrei oficialmente para o movimento em 1984.
Folha - Como você se transformou numa das principais líderes do MST no Pontal?
Deolinda - Aconteceu naturalmente. Sempre que o Rainha se ausentava, eu era o elo de ligação entre ele, os companheiros de liderança e os trabalhadores. O Rainha se ausentava para participar de reuniões fora ou porque tinha de ficar escondido para não ser preso.
Folha - Hoje você é a segunda pessoa na hierarquia do movimento no Pontal?
Deolinda - Não. O Rainha é o coordenador, e nós formamos um bloco de líderes. Quando ele se ausenta, alguém assume a coordenação. Como é mais fácil se comunicar comigo do que com os outros, os companheiros decidiram que eu assumo na ausência de Rainha.
Folha - Como você conheceu Rainha?
Deolinda - Em 1985, na primeira ocupação de terra que fiz. Foi no dia 27 de outubro.
Não tínhamos muita amizade. Eu ainda estudava e não tinha muito tempo para a militância. Quando me formei no 1º grau, no curso técnico agrícola, fui convidada a trabalhar no Nordeste com ele e outros companheiros.
Folha - Foram para onde?
Deolinda - O primeiro Estado foi Alagoas, em Arapiraca.
Folha - Como foi esse período?
Deolinda - Ficamos quatro anos trabalhando no Nordeste. Fundamos o MST e passamos a ensinar os trabalhadores que eles precisavam lutar por seus direitos.
Folha - Qual é a sua linha política?
Deolinda - Sigo a linha do movimento, que é lutar por um direito social de um modo geral.
Folha - Que nome você daria a essa linha?
Deolinda - Somos uma esquerda pacífica e consciente.
Folha - Como você foi treinada no MST?
Deolinda - Nunca fui treinada especificamente. Faço parte do setor de comunicação, mas o aprendizado veio na prática. Agora sinto necessidade de um treinamento específico. Antes de o João Paulo nascer, trabalhava diretamente nas ocupações de terra. Depois, passei a cuidar da comunicação.
Folha - O que você faz?
Deolinda - Cuido de um programa de rádio do movimento em Teodoro Sampaio, que se chama ``O Canto da Terra``. Vai ao ar todos os domingos de manhã. Participo também da equipe nacional de radiodifusão.
Ainda estamos montando todo o esquema de comunicação interna do movimento.
Folha - O que você acha do presidente Fernando Henrique Cardoso?
Deolinda - Ele tem um projeto neoliberal e condições e capacidade para resolver problemas sociais do país, como desemprego, analfabetismo, prostituição e reforma agrária. Só não faz se não quiser.
Folha - Você não acha que as invasões atrapalham as negociações com o governo?
Deolinda - As ocupações vão continuar. Isso faz parte dos princípios do movimento. Não vamos dar a trégua pedida pelo presidente nem nos amedrontar com as intimidações dos fazendeiros.
Folha - Por que não dar uma trégua ao governo?
Deolinda - Existem imensas terras públicas e latifúndios improdutivos no Brasil, que poderiam ser utilizados para uma reforma agrária sem ocupações.
Como o governo não toma uma atitude, surge o movimento para pressioná-lo.
Folha - Você mataria por um pedaço de terra?
Deolinda - Não.
Folha - Para você, o que é um latifundiário?
Deolinda - É aquele que tem uma grande propriedade, mas não produz nem arrenda para quem quer produzir.
Folha - E qual a sua opinião sobre eles?
Deolinda - São gananciosos e nunca estão satisfeitos com o que têm. Hoje, são 12 milhões de trabalhadores sem-terra no Brasil, contra uma minoria que forma a burguesia agrária.
Folha - Você é filiada a algum partido?
Deolinda - Não, mas admiro o PT.
Folha - Quando você e o Rainha se casaram?
Deolinda - Não nos casamos. Assumimos um compromisso em janeiro de 1994.
Folha - Vocês têm filhos?
Deolinda - Temos o João Paulo, que nasceu em agosto de 94.
Folha - Você lê?
Deolinda - Muito pouco e só jornais.
Folha - Você e Rainha moram em casa alugada?
Deolinda - Moramos há três anos em Teodoro Sampaio. A casa fica em um conjunto do Estado, que foi construído para os operários de uma empreiteira que trabalhava para a Cesp. Eles saíram e nós ocupamos as casas. Agora, negociamos a compra.
Folha - É fácil conviver com o Rainha?
Deolinda - Às vezes.
Folha - Como você administra os problemas causados pelas ausências constantes do Rainha?
Deolinda - É uma questão de costume. Conheço o Rainha há anos. Já me acostumei.

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