São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 1995
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Memórias de Periscinoto revelam paixão pelo ofício

NELSON BLECHER
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele é da época em que anúncio era chamado de reclame e não usava fotografias. Geladeiras e roupas eram ilustrados por mãos habilidosas de desenhistas profissionais.
Ainda bem, pois foi assim que o operário ``Torresmo" (apelido dado pelos colegas da fábrica Matarazzo, por causa do cabelo espevitado), sétimo filho de um carpinteiro vêneto, teve a chance de se projetar como uma das personalidades mais marcantes da propaganda contemporânea no país.
Em várias páginas da autobiografia de Alex Periscinoto, 67, que será lançada na noite da próxima terça-feira, no Museu da Casa Brasileira, o protagonista ainda não usa gravatas de nó grosso e preside uma das maiores agências brasileiras, a Almap/BBDO.
Quem se movimenta é o jovem que sacrificava o dinheiro do pastel para consumir exemplares usados da revista ``Saturday" e se maravilhar com as ilustrações de Norman Rockwell.
``Comecei a achar que os americanos eram bons demais em publicidade. E aprender inglês virou obsessão", conta. Possui a maior coleção de filmes e peças publicitárias norte-americanas.
Para correr atrás do sonho, peregrinou por estúdios artesanais. Levou uns tapas do pai por ter abandonado o emprego seguro na Matarazzo, onde já labutava na seção de gravuras.
Mas acertou o prumo ao conquistar uma vaga de desenhista na Sears. Dali para a Standard (que criava campanhas da Clipper), com salário dez vezes superior.
Ganhou fama de ``revolucionário" no Mappin, onde ingressou em 1955. Parou -literalmente- o trânsito do centro de São Paulo, ao exibir modelos vivos nas vitrines, numa promoção de meia de seda feminina. Num anúncio de efeito especial, então raro -não havia computadores-, cobriu a praça Ramos de Azevedo de tapetes.
``Sempre fazia 14 layouts. Punha no chão e ficava olhando. O varejo dá uma sensação gostosa de generosidade, de páginas inteiras, duplas, abertas, como dois braços que esperam um corpo sedento por um abraço", escreve Periscinoto.
O passo seguinte foi fazer free lancer na Alcântara Machado, a Almap, onde permanece há 37 anos e é um dos quatro acionistas.
Uma das manias do publicitário é afixar na parede do escritório retratos de pessoas que admira. Ali, Woody Allen convive com o guru de Periscinoto, Bill Bernbach, legendário criador das campanhas da Volkswagen e fundador da DDB.
Foi dessa agência americana que ele trouxe para a Almap o sistema de duplas de criação. Antes, o profissional de arte era coadjuvante do redator.
Foi também estimulado pela explosiva veia criativa da DDB que Periscinoto, à frente de sua equipe, fertilizou campanhas memoráveis, como o anúncio em que um Fusca aparece com radiador. ``1º de abril, 1º de abril", diz o título.
``Meço o talento de um homem de criação pela capacidade que ele tem de entreter o consumidor, de segurar sua atenção", afirma.
``A boa agência não é aquela que faz o que o cliente pede e sim aquela que o surpreende com soluções que ele não espera", eis outra máxima de Periscinoto.
aficionado do cinema americano -uma potente arma de merchandising, na visão do autor-, ele conta que as vendas de camiseta tiveram queda de 50% quando Clark Gable apareceu com o torso nu em um de seus filmes.
Reconhecido pelo talento de contador de ``causos" e piadas -muitos narrados em artigos que a Folha publica há mais de uma década-, eles abundam também no livro.
Num dos episódios, o autor foi avisado por um motorista, durante o trajeto até a empresa do anunciante, que a agência seria dispensada. Contou para o cliente, que riu muito e manteve a conta.
Para distrair a insônia, Periscinoto montou em sua casa uma oficina onde esculpe patos e cavalos de madeira, que distribui para os amigos. Está agora na fase de esculturas em ferro.
À maneira das memórias do inglês David Ogilvy, talvez o maior publicitário do século, Periscinoto embaralha vida pessoal e profissional -típico de quem eleva o ofício à condição apaixonada.
Batizada de ``Mais Vale o Que se Aprende que o que Te Ensinam", a autobiografia se vale de um dos ensinamentos do pai, que lhe dizia que ninguém sabe quem foram os colegas de classe de Einstein.

``Mais Vale o Que Se Aprende que o Que Te Ensinam", de Alex Periscinoto com Isabel Telles. Editora Best Seller. 320 pgs. R$ 25,00.

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