São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 1995
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Pinter retorna ao palco para fazer rir

NELSON DE SÁ
DO ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

Um bigodezinho ridículo, uma estupidez pomposa, uma comicidade de tapas e empurra-empurra. Harold Pinter, o ator, tem muito pouco a ver com o dramaturgo Harold Pinter.
Ou talvez não. Talvez o que o ator esteja a fazer, como Roote, o idiotizado mas opressivo diretor de uma instituição de saúde mental (ao que indica a peça, embora sem maior especificação, como é a regra com Pinter), seja exatamente buscar o humor que poucos quiseram ver em sua obra.
``As risadas são um fator constante no meu trabalho", insiste ele, em ``Conversations with Pinter", editado no ano passado. ``Você não iria notar isso através dos nossos velhos e queridos amigos, a imprensa. Nenhuma risada, nem o sussurro de um sorriso acompanha as peças."
Pois o dramaturgo saiu a campo para mostrar que a imprensa está errada e que as suas peças são carregadas, sim, de risadas. Para tanto, foi buscar uma das mais antigas, ``The Hothouse", escrita em 1958, pouco depois de ``The Birthday Party" e pouco antes de ``The Caretaker", as duas peças que ajudaram a mudar a história do teatro, então.
``The Hothouse" não ajudou a mudar a história. Não foi sequer encenada na época, mas apenas 20 anos depois e por breve temporada, em Londres. Também então não mudou a história. O seu retorno agora tem a ver com o retorno do próprio Harold Pinter.
Aos 65, o ator e autor voltou a escrever peças longas e voltou a se empolgar com o palco, depois de uma década e meia de prioridade ou resignação com as peças curtas e os roteiros de cinema.
Harold Pinter até admite ter passado por um bloqueio criativo em relação ao teatro, mas apenas no início dos anos 80 e por pouco tempo, poucos anos.
É certo, porém, que reencontrou agora o prazer da interpretação -ele que antes de começar a escrever passou uma década como ator, em companhias de teatro mambembe, em peças de todo gênero, em papéis de todo gênero, inclusive o maior, Hamlet, ainda que uma única noite.
Roote não é Hamlet, mas é um personagem maior, ou ainda, Harold Pinter faz de Roote um personagem maior. Enquanto os demais atores, em sua maioria, ainda enfrentam os diálogos pinterescos com uma afetação de frieza e distância, Pinter trata Roote com o prazer de um comediante.
Faz longas pausas para acentuar a sua estupidez; enfrenta cenas em que é puxado pelos dois braços como em alguma comédia pastelão; faz comentários sobre a quarta parede (imaginária, que divide o palco da platéia) e olha através dela para brincar com o público; vira as costas acintosamente para o público, como a dizer que não existem mesmo convenções que mereçam respeito, no teatro.
Ainda assim, a peça tem os seus problemas, com o excesso de pistas falsas, com a incoerência afetada, enfim, com a dramaturgia formalista dos primeiros passos do teatro do absurdo.
As pistas falsas, a incoerência chegam a dificultar aquilo que é um dos objetivos paralelos do Pinter autor com a nova montagem de ``The Hothouse": a revelação da presença da política em sua obra, desde os primeiras peças. No caso, com a imagem da opressão, até com cenas de tortura.
Melhor ficar com Harold Pinter, o ator.

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