São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 1995 |
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Sondheim consagra os sentimentos difíceis
NELSON DE SÁ
Desde que escreveu as letras para ``West Side Story" em 1957 e depois as músicas para ``A Funny Thing Happened on the Way to the Forum" em 1962, o americano Sondheim vem erguendo uma obra única, que faz dele o maior autor vivo do teatro musical. Ao menos é o que os ingleses pensam, pelo que se viu da repercussão da estréia, na verdade, uma nova montagem, de ``A Little Night Music". É o segundo grande espetáculo do que vem sendo uma descoberta de Stephen Sondheim pelo público de Londres -depois de ``Sweeney Todd", montado por Declan Donnellan dois anos atrás, também no Royal National Theatre. É fácil ver a razão de tantos elogios, em ``A Little Night Music". Ainda que com uma produção de imaginação algo restrita (mas de recursos sem limite, capazes de trazer ao palco quartos amplamente mobiliados e até um segundo palco para a peça-dentro-da-peça) o musical é um deleite para os atores-cantores e para o público. Com uma das maiores atrizes inglesas, Judi Dench, por protagonista e um elenco com vários outros destaques, ``A Little Night Music" traz cenas ou números de antologia no teatro musical. O enredo mostra uma atriz já veterana, Desirée, às voltas com as confusões entre os seus dois amantes, Fredrik e Malcolm, mas vai muito além. Baseada num filme de Ingmar Bergman, uma comédia, filmada quando o cineasta enfrentou dificuldades financeiras, a peça é o que se poderia esperar de uma obra comercial de Bergman -engraçada, mas manchada de conflitos e situações mal resolvidas. Assim, Malcolm, ao descobrir o segundo amante de Desirée, manda a sua própria mulher, Charlotte, que sabe de seu caso, contar a traição à mulher de Fredrik. Sentindo-se humilhada e sem forças para enfrentar o marido, a quem ama sem esperança, Charlotte canta uma das músicas mais arrebatadoras de ``A Little Night Music", na interpretação cínica e triste de Patricia Hodge. Outro momento é aquele já concebido para ser o maior da peça, em que Desirée, envelhecida, pede a Fredrik que venha morar com ela e com sua filha. Fredrik, também envelhecido, prefere continuar com a mulher de 19 anos -que, em um ano de casamento, ainda não aceitou dormir com ele. A voz de Judi Dench, diante da recusa de Fredrik, canta um dos clássicos de Sondheim com sinais de rachadura, de estar machucada espiritualmente, como se, mais do que o choro, a própria alma estivesse a quebrar as palavras e notas. Foi o instante de maior aplauso em cena aberta, entre diversos, inúmeros outros. O americano Stephen Sondheim como que brinca com os sentimentos mais difíceis. Nada a ver com gatos e helicópteros. (NS) Texto Anterior: Pinter retorna ao palco para fazer rir Próximo Texto: Atriz faz a tragédia da delicadeza frente à guerra Índice |
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