São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 1995
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Prisão tem mais negros que universidade

GILBERTO DIMENSTEIN
DE NOVA YORK

A marcha em Washington mostra um país dividido pela tensão racial. Os negros indicam desencanto com os partidos tradicionais (particularmente o Democrata), irritados com os cortes de programas sociais praticados pelos republicanos que dominam o Congresso, o que atinge os mais pobres.
A divisão pode ser vista por meio de gigantesca galeria de estatísticas: há mais negros nas prisões do que nas universidades, por exemplo. São 12% da população, mas 43% da população carcerária.
Reflexo dessa sensação de desamparo é pesquisa divulgada semana passada: cada vez mais absolvem negros nos júris, apesar das evidências de crime. O. J. Simpson é só o caso mais notório.
Alguns dos motivos desta tensão conseguem ser vistos e entendidos a partir de apenas um índice: a situação da criança americana.
O índice de mortalidade infantil -o mais contundente indicador social de um país- entre os negros é de 17 por 1.000. Ou seja, de cada 1.000 crianças que nascem, 17 morrem antes de completar um ano. É um nível inferior a países como Cuba, Malásia ou Sri Lanka, com um PIB (soma da produção de bens e serviços) inferior.
No Sri Lanka, por exemplo, a renda per capita é de US$ 200 e nos EUA, US$ 25 mil, onde cerca de 13% dos bebês negros têm baixo peso. Essa taxa não se modifica há pelo menos 20 anos.
Graças à taxa de mortalidade dos negros, os EUA ficam em 21º lugar, atrás dos países industrializados. Fossem computados apenas os brancos, estaria no topo, competindo com Japão e Suécia.
Por trás dessa diferença está uma cadeia de desigualdades, num país que, segundo o Ministério do Trabalho, tem 15 milhões de pessoas vivendo abaixo do que se considera linha de pobreza (menos de U$ 14 mil anualmente para uma família de quatro pessoas).
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças divulgou no ano passado estudo mostrando que, de 85 até 91, houve um crescimento da taxa de homicídios entre jovens -subiu de 13 por 100 mil para 33 por 100 mil. Considerados apenas os negros, quase triplicou: passou de 46 para 124 por 100 mil.
Em todos os indicadores sociais negativos, os negros, como são mais marginalizados, apresentam os piores índices: da evasão escolar, passando pelo desemprego, até os registros de negligência e maus-tratos dentro de casa.
Segundo o Comitê Nacional de Prevenção ao Abuso Infantil, pelo menos 1 milhão das denúncias de maus-tratos e negligência foram confirmadas em todo o país entre as 3 milhões de denúncias. Em média, três crianças morrem vítimas de maus-tratos; 46% tinham menos de um ano; 86% eram menores do que cinco anos.
A disparidade é registrada também em relação à gravidez na adolescência. Em 1993, por exemplo, metade das crianças de Nova York nasceu numa família sem pai, o que reduz o salário da mulher. A maioria é negra, em primeiro lugar, e, em seguida, de hispânicos.
O Prêmio Nobel de Economia Robert Solow, convidado pelo Children Defense Fund, estudou, no passado, quanto custa a pobreza infantil aos Estados Unidos.
Não considerou gastos com evasão escolar, doenças, prisão. Apenas o impacto que terá na produtividade econômica. Sua conta: no mínimo, US$ 36 bilhões por ano.
Fosse somados os gastos extras com Justiça e criminalidade certamente a quantia seria bem maior. Pelo menos um terço dos jovens negros têm pendência judicial.

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