São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 1995
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Watters e Mirândola

MARCELO BERABA

SÃO PAULO - São muitas as semelhanças entre o atentado à sede da OAB no Rio, em 1980, e este agora no Itamaraty. A mais incrível é a persistente incompetência da Polícia Federal.
A favor daquela PF de Ibrahim Abi-Ackel se pode argumentar que suas funções profissionais estavam manietadas pelas ingerências do regime militar.
O que dizer, no entanto, da polícia do ministro Nelson Jobim, que não tem, em tese, qualquer empecilho para agir de forma profissional e competente?
Ronald James Watters foi preso em 19 de outubro de 1980 acusado de ter sido o autor do atentado à OAB (onde morreu uma secretária, Lyda Monteiro) e de outros três ocorridos no mesmo dia 27 de agosto de 1980, no Rio.
A prova contra ele era frágil: teria comprado uma máquina de escrever com a qual teria datilografado endereço e remetente em um pacote com uma bomba enviada para a antiga Sunab (e que não explodiu).
Watters teve menos sorte que Mirândola. Ficou preso 228 dias (sendo que 60 incomunicável na Polícia Federal), até ser solto por ordem do STF.
As histórias dos dois têm outras curiosas coincidências, além das acusações precipitadas que sofreram.
São ambos ex-funcionários afastados do serviço público (Watters, do Ministério da Agricultura, e Mirândola, do Itamaraty) e viviam de bico perambulando pelo país, como Forrests Gumps tupiniquins.
Ambos, patéticos e excêntricos, estão cercados de mistérios suficientes para constituírem provas para uma polícia preguiçosa.
E são, ambos, obcecados pelo terrorismo, praga deste fim-de-século que permite que cidadãos comuns, inoculados por sonhos megalômanos, se sintam participando da vida do Estado: Mirândola, por meio das mensagens espíritas que recebe e transforma em cartas de advertência; Watters, quando ativo, convivendo com a escória do submundo militar dos anos 70.
Ao sair da prisão, em 81, Watters definiu o desmoralizado inquérito da Polícia Federal como ``uma palhaçada", ``mobraliano (alusão ao falecido Mobral)", ``infantil". Quase as mesmas palavras utilizadas, 14 anos depois, por Mirândola. Quem há de desdizê-los?

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