São Paulo, terça-feira, 17 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Excesso de zelo

LUIZ CAVERSAN

RIO DE JANEIRO - Em carta publicada ontem no ``Painel do Leitor", João Carlos Schleder, de São Bernardo do Campo, estranha o fato de a Folha ter tratado como ``suposto traficante" um homem que foi preso no Rio ``de posse de 596 `sacolés' de cocaína, um fuzil Noriko, uma pistola Remington 45 e uma granada M3".
Para o leitor, houve ``excesso de zelo" do jornal.
Schleder lembra o caso da Escola Base de São Paulo -ocasião em que a imprensa julgou e condenou uma porção de gente supostamente envolvida com corrupção de menores, mas que era inocente. Diz, por isso, que não deseja que a imprensa brasileira incrimine ou acuse sem provas.
No entanto, afirma, no caso do homem da cocaína e das armas, soou estranho o ``suposto traficante", caracterizando o cuidado excessivo.
Essa discussão é da maior importância, porque lida com a reputação das pessoas, com sua honra, com o poder que os meios de comunicação têm de destruir uma vida inteira num só dia, numa só página de jornal.
Isso aconteceu inúmeras vezes, não só na Escola de Base. Basta lembrar o caso do Jorge Bouchabki, do famoso crime da rua Cuba (1988), declarado culpado por mais de um jornal e cuja responsabilidade pela morte dos pais nunca ficou comprovada.
Basta lembrar, ainda, a piada que foi a prisão de Jorge Mirândola como autor do atentado a bomba no Itamaraty.
Interessante notar que todos esses casos tinham como elemento perturbador, digamos assim, a polícia declarando alguém culpado.
Jorginho Bouchabki, da rua Cuba, matou os pais, dizia a polícia. Os professores corrompiam os menores da Escola Base, garantiu o delegado. Mirândola é o autor do atentado do Itamaraty, afirmou a Polícia Federal.
Assim como foi a polícia do Rio que disse que o cidadão preso estava com pó, armas, granada.
O ideal seria que a investigação jornalística conseguisse, por ela mesma, desvendar crimes e apontar culpados, sem depender da polícia.
Na dúvida, o melhor mesmo é pecar pelo excesso de zelo para não compactuar com a injustiça.

Texto Anterior: O soluço do monstro
Próximo Texto: De novo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.