São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 1995
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A imprensa contra o poder

LUÍS NASSIF

Ontem, o 2º Fórum Folha de Jornalismo e Mídia permitiu discussão estimulante sobre as relações entre governo e imprensa. O porta-voz do governo, embaixador Sergio Amaral, tem a sensação de que a imprensa está sempre contra. Talvez fosse mais apropriado dizer que a imprensa está sucessivamente sempre contra e, depois, sempre a favor, antes de ficar novamente sempre contra e, no movimento seguinte, sempre a favor.
Parte desse fenômeno se explica por um certo sentimento de autodefesa. Ficar contra a onda exige justificativas e explicações. Ficar a favor, não. E as ondas seguem movimentos pendulares.
Mas, longe de representar incoerência, parte desse comportamento está escudada em uma das vigas-mestras da ideologia da imprensa, em regime democrático: o combate sistemático a toda forma de poder excessivo e de desequilíbrio entre setores.
Trata-se, talvez, da mais legítima das funções sociais da imprensa, ponto central da manutenção do equilíbrio democrático. No século passado, esse princípio foi responsável pelo extraordinário papel desempenhado pela imprensa americana no desmonte do cartel da Standard Oil.
Na atualidade, qualquer empresa ou setor que possa representar ameaça, pelo excesso de poder ou mesmo de competência, cria imediatamente anticorpos na sociedade, que se manifestam por meio da imprensa.
Nos Estados Unidos, as críticas ao governo Clinton são da mesma natureza das reações suscitadas pelo sucesso da Microsoft. Sempre que recrudesce a sensação de que a Microsoft pode se transformar em uma supercorporação, pipocam artigos críticos em toda a mídia americana exortando os organismos de direito econômico a estabelecerem limites a seu crescimento.
Se, porventura, ocorrer algum abalo com a Microsoft, não se tenha dúvida de que imediatamente a empresa voltará a ser considerada patrimônio nacional pela mídia.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, certamente, enquadraria a mídia americana entre os adeptos da "fracassomania".

Avesso
No Brasil, esse processo é observado diuturnamente. Enquanto poder emergente, o novo sindicalismo era defendido até por órgãos conservadores. Quando consolidou-se e ultrapassou a porta da cozinha, passou a ser visto como ameaça.
Esse mesmo fenômeno explica as resistências históricas contra a Rede Globo -que assusta muito mais por sua competência específica do que por eventuais ligações passadas com regimes autoritários- e agora, de certa maneira, contra o crescimento da Igreja Universal do Reino de Deus.
Só sociedades democraticamente saudáveis dispõem desse poder de reação.
Como poder maior, o governo, obviamente, é a parte mais exposta a esses movimentos pendulares da imprensa. Quando acuado, tende a despertar solidariedades. Quando bem-sucedido, a despertar temores.
Por tudo isso, tem razão quem julga que o jornalismo é exercício do contra. É importante que assim seja, e que se persevere na busca incessante do avesso do avesso do avesso.

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