São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 1995
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Angelopoulos lança "Olhar" sobre Balcãs

DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O cineasta grego Theo Angelopoulos não escondeu o desapontamento em Cannes-95 ao levar o Grande Prêmio do Júri para seu "O Olhar de Cada Dia", atração da mostra hoje. Estava certo de que a hora de sua Palma de Ouro chegara. Correndo por fora, Emir Kusturica arrebatou-a para seu avassalador "Underground".
Os dois grandes vencedores de Cannes-95 chamam atenção sobre a sanguinária guerra civil na Europa central, na região da ex-Iugoslávia. Ambos fazem um balanço da história balcânica recente, Kusturica abarcando desde o fim da Segunda Guerra, Angelopoulos também, mas lançando também o olhar para o início do século. A mesma utopia pacifista os aproxima. Tudo o mais os difere.
"O Olhar de Cada Dia" é controlado e silencioso, enquanto "Underground" é exagerado e barulhento. Angelopoulos faz um cinema lento e grave, enquanto Kusturica é rápido e irônico. O filme grego privilegia a memória íntima; o iugoslavo (como insiste Kusturica), a memória social.
Angelopoulos disse à Folha em Cannes que foi Martin Scorsese que incentivou Harvey Keitel ("Cães de Aluguel") a se apresentar para o papel central de "O Olhar a Cada Dia", o cineasta grego A., que retorna à sua Grécia natal depois de 35 anos de auto-exílio nos EUA. A exibição de um filme maldito dirigido por ele detona a viagem.
A. na verdade volta para uma longa odisséia (dai o título original) pela conturbada região dos bálcãs. A pesquisa externa é tão importante quanto o balanço interno do cineasta.
O motor concreto da viagem é uma obsessão cinefílica do diretor: localizar três latas de filmes inéditas dos pioneiros do cinema grego, os irmãos Yanakis e Miltos Manakia, rodadas na mesma região no início do século, que estariam perdidas em alguma cinemateca da área.

Conflito aberto
O alter ego de Angelopoulos vai incansavelmente procurá-las, mesmo tendo na rota zonas de conflito aberto. Cruza a Albânia, atravessa a Macedônia e a Bulgária, adentra a Romênia e retorna em direção ao coração da guerra que dilacera a Europa: Sarajevo.
"Nosso século começa e termina em Sarajevo", disse Angelopoulos em Cannes. A cidade surge na tela reduzida a esqueletos de prédios. Uma orquestra multiétnica embala os raros instantes de cessar-fogo. As imagens são muito mais fortes que a metáfora.
O novo Angelopoulos combina o memorialismo de "Viagem a Citara" (1984) com o retrato histórico de "A Viagem dos Comediantes" (1975).
Amante do plano-sequência, um dos pontos altos é exatamente um deles, em que uma década fundamental na história na região é tragicomicamente resumida numa sucessão de festas na sala dos pais do diretor. O ponto baixo, a excessiva distância motivada pela fina espessura dos personagens. Eis a provável causa da derrota.

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