São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 1995
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'Kids' mostra o amor pelos desajustados

MARCELO REZENDE

Filme: Kids
Direção: Larry Clark
Elenco: Leo Fitzpatrick, Sarah Henderson, Justin Pierce
Estréia: hoje, nos cines Espaço Banco Nacional 1, Estação Lumière 1, Olido 1 e circuito

Existem ao menos duas maneiras para entender "Kids", de Larry Clark, que estréia hoje nos cinemas.
primeira seria pensá-lo como um alerta, uma denúncia sobre os descaminhos da juventude na América. E uma outra, como uma obra cinematográfica distante ou próxima de uma determinada tradição. Ou, na verdade, de uma vanguarda.
Quando foi lançado nos EUA, em pequenos cinemas das grandes cidades, "Kids" se prestou claramente ao papel de meio para uma mensagem que martelava a consciência do país: os Estados Unidos estão doentes, moralmente enfraquecidos, e a primeira baixa são os adolescentes urbanos.
Houve, portanto, um certo incômodo e escândalo com o universo que o filme mostrava: um dia na vida de jovens de 10, 13 e 17 anos pelas ruas de Nova York, num cotidiano feito de drogas, sexo e todas as suas dúvidas, vacilos e complicações.
Mas o filme de Clark, ao menos conceitualmente, não é um documentário e sim uma ficção, que, como tal, necessita de um enredo.
O de "Kids" é ainda o sexo e suas consequências, pois o que move todo o filme é uma procura relacionada a uma relação: uma jovem foi contaminada pelo vírus HIV, por um garoto que adora meninas virgens, e tenta encontrá-lo pelas ruas da cidade.
O que difere então o filme de "Pixote" de Hector Babenco ou, ainda, de "Vidas sem Rumo", de Francis Ford Coppola, dois filmes que pretendiam, ainda que em dimensões bem diferentes, percorrer o mesmo tema, as misérias de todo tipo da juventude?
A resposta está exatamente no tom usado por Clark para, mais uma vez, como tantas outras no cinema, mostrar como vive uma nova geração.
Com uma carreira construída na fotografia e não no cinema, o que impressiona em Clark e seu "Kids" é sua clareza, sua total falta de drama.
Seus personagens, vividos por atores amadores que fazem parte do grupo que interpretam no filme, são vistos sem qualquer forma de julgamento. Os jovens são o que são e isso basta.
A câmera percorre suas vidas como se fizesse parte dela: trêmula, imprecisa e desfocada mas ainda capaz de reproduzir beleza e divertimento.
O que o diretor Larry Clark não esconde nesse seu primeiro filme é a fascinação que possui pela juventude e suas inconsequências, uma admiração que permite que o filme não seja apenas uma pobre crítica social, mas algo maior e melhor do que isso.
Sua maior aproximação é com um cineasta como John Cassavetes, um ator que se tornou um gênio do cinema independente americano no tempo em que isso ainda era uma maldição, os anos 70.
De Cassavetes guarda o talento de criar um mundo em uma rua e um universo em um diálogo, dotando cada objeto e gesto, de sentido. Mas guarda, acima de tudo, o mesmo amor aos desajustados.
"Kids" é então um filme único, ao menos único para o cinema que se faz hoje, onde afetação é confundida com genialidade.

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