São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 1995
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Julie Andrews expõe a voz na Broadway

NELSON DE SÁ
DO ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

Uma linha de coro, amplas escadarias iluminadas, pernas e mais pernas. Cenários gigantescos que se abrem em outros cenários gigantescos. Passagens seguidas, incontroláveis de "slapstick", de comédia física. Músicas do filme, músicas novas.
"Victor/Victoria" estréia esta semana, depois de amanhã, com a maior produção do ano em Nova York e com um esforço gigantesco do diretor de cinema Blake Edwards para fazer da versão teatral de seu filme um espetáculo de prazer para o público de teatro na Broadway -em síntese, um espetáculo de bilheteria.
Julie Andrews, mais uma vez no papel da soprano em busca de sucesso nos espetáculos da noite de Paris, não é apenas o atrativo maior na fachada do teatro Marquis, no Times Square.
Com uma voz lendária, uma voz com o alcance de uma oitava, como ela mesma gosta de dizer, uma voz capaz de destruir copos de cristal com o "timing" de uma piada, ela já é prazer bastante para o público, mesmo quando tem que enfrentar canções envelhecidas e algo tediosas como aquelas compostas por Henry Mancini, ainda para o filme de 1982.
Quadros musicais exagerados como "Le Hot Jazz", de tanto impacto no cinema, surgem agora cansados, arrastados, sustentando-se quase que exclusivamente pela voz da atriz.
Voz que, aliás, guarda o que tem de melhor para as novas canções, como "Living in the Shadows", no final, composta por Frank Wildhorn. É possível compreender então a lenda que envolve o passado de Julie Andrews no teatro, na mesma Broadway -passado este anterior à fama cinematográfica de sucessos como "The Sound of Music".
Ela foi a protagonista das estréias de espetáculos musicais como "Camelot", como "My Fair Lady", este o mais conhecido, também transformado em filme. Aos 60 anos, claro, já não tem a leveza e a facilidade de movimentos físicos exigidas pelos musicais -leveza que, é bom lembrar, nunca foi uma característica sua-, mas a voz melodiosa e potente segue causando assombro.
Ele é um diretor consagrado no cinema, com filmes como "Breakfast at Tiffany's" e o próprio "Vítor ou Vitória", mas o palco é novidade. Não é à toa que os seus melhores momentos no espetáculo estão não na direção dos quadros musicais, não no desenvolvimento da trama, mas na comédia, para não dizer na farsa.
Também é bom lembrar, aqui, que Blake Edwards foi o diretor da série de filmes iniciada com "A Pantera Cor-de-Rosa", série em que as cenas atrapalhadas, de "slapstick", de confusão e bater de portas, fizeram história com o ator Peter Sellers.
Para chegar a tanto, em "Victor/Victoria", ele conta com alguns dos mais completos atores da Broadway, como Tony Roberts, o companheiro de Woody Allen desde os primeiros tempos no teatro de Nova York.
Tony Roberts canta, conduz o espetáculo e sobretudo revela uma sutileza cômica das mais desenvolvidas para o palco. É dele a responsabilidade pelo papel de Carroll Todd, o amigo homossexual de Victoria Grant, a personagem de Julie Andrews.
Como ele, também reunindo canto e extremo humor, a ponto de ameaçar roubar a cena de Julie Andrews em duas passagens, Rachel York é quem faz Norma Cassidy -a americana loura, burra e sensual que disputa com a inglesa Victoria Grant o amor do gângster King Marchan.
Com a voz de Julie Andrews, a comédia física de Blake Edwards, o humor fino de Tony Roberts e o humor grosso de Rachel York, "Victor/Victoria" talvez acabe por vencer a resistência e o final desastroso que alguns, ainda agora, insistem em projetar para a sua estréia.

(Por fim, um esclarecimento: o musical foi acompanhando pelo crítico em "preview", ou pré-estréia, como é regra hoje entre os críticos dos jornais de Nova York, na apreciação dos novos espetáculos em cartaz na Broadway.)

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