São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 1995
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'Company' é um clássico de Nova York

NELSON DE SÁ
DO ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

Com amargos musicais como "Sweeney Todd" nos anos 80 e "Passion" nos anos 90, o americano Stephen Sondheim alcançou um grau de excelência musical que fez muitos perguntarem quando viria a suas primeira ópera. Semanas atrás, em discussão pública, em Londres, o compositor respondeu que ela não vem.
Stephen Sondheim, nas suas próprias palavras, não é um fã de ópera. Pode ser um apreciador de Puccini, pode também ser um apreciador da música de Ravel e do brasileiro Villa-Lobos, ainda nas suas palavras, mas o que ele gosta de compor é musical. "Eu realmente gosto é do contraste entre a música e a diálogo", disse, com simplicidade.
O musical é muitas vezes visto como o filho bastardo do teatro e da ópera, embora um e outra não tenham estado assim tão distantes, nos séculos clássicos. Mas é assim com o americano Sondheim, que se deixa levar pelo caráter mais popular dos espetáculos musicais -e acaba produzindo pequenos clássicos, também ele.
"Company", em remontagem no teatro Roundabout em Nova York, para marcar os 25 anos da estréia, é caso típico. Com um livro dos mais fracos, escrito por George Furth, pouco além de uma sequência de esquetes cômicos ou dramáticos com os conflitos de um homem solteiro em sua relação com diversos casais de amigos, o compositor criou músicas e letras que cristalizaram um momento na história de Nova York.
O musical é um dos maiores clássicos da Broadway. Algumas das canções, que os mais interessados podem comprar em CD, como acontece com todas as obras de Sondheim, estão gravadas na memória da cidade, surgindo em frases soltas em outras peças, em filmes, em artigos carinhosos nos jornais de Nova York.
Nesta nova produção, a canção de maior impacto -ao menos, a de maior impacto sobre o crítico- é "The Ladies Who Lunch", cantada por Debra Monk, um exemplar daquelas atrizes que não estão no palco por beleza, nem por talento na interpretação, mas pela voz capaz de levar emoções envolventes, que dominam e comovem o ouvinte, a platéia.
Ela expressa na música a revolta contida de uma mulher independente, intelectual, sensualmente agressiva, que vê passar aos poucos a meia idade tendo que enfrentar a censura sem fim dos olhares recatados das mulheres estabelecidas -das senhoras que almoçam, no título irônico.
Outra canção clássica, mas em outra direção, inteiramente cômica, é "Getting Married Today", cantada com toques de pastelão por Veanne Cox. O solteirão Robert, do protagonista Boyd Gaines, responde pelo quadro clichê, "Side by Side by Side", em ambiente aberto de "music hall", com uma linha de coro e sapateado -e que na produção não tem, mas bem que poderia ser interpretada com cartola e bengala.
A exemplo de "Side by Side", a canção "Company", que fala com alegria esfuziante mas de gosto estranhamente amargo das redes de amizade na grande cidade, recorre a um ritmo de acento cada vez mais forte e a melodias ascendentes para levar o público quase que ao transe -com aplausos em cena aberta, muitos dos espectadores em pé, gritando.
Talvez esteja aí, nos aplausos da platéia americana, a razão do gosto de Stephen Sondheim pelos musicais.
(NS)

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