São Paulo, terça-feira, 24 de outubro de 1995
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"O papel da ONU é insubstituível"

Esta é a íntegra do discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso na ONU:

"Senhor presidente,
Quero expressar o orgulho do Brasil em ver esta histórica sessão presidida por um ilustre representante de Portugal.
Há 50 anos, os delegados que firmaram a Carta de São Francisco tinham a esperança de que estavam criando um mundo melhor, em que a paz fosse possível graças a instituições capazes de garantir o melhor espírito de cooperação entre os povos.
A ONU, como toda realização humana, assistiu a sucessos e fracassos. Em sua trajetória, porém, algo de muito importante foi preservado: o sentimento da esperança. E agora é tempo de renová-lo.
O que nossos povos esperam hoje de nós? O que esperam que façamos pela ONU?
Tenho certeza de que, a essas indagações, a resposta é consensual: que a ONU seja a guardiã serena das normas e princípios que regem as relações entre os Estados, que os faça respeitar, garanta seu cumprimento e assim dê bases sólidas para a ordem internacional.
Que disponha de instrumentos eficazes para conciliar partes em conflitos e para preveni-los, bem como para promover formas de desenvolvimento com equidade.
É aspiração de toda a humanidade que a ONU esteja voltada, de modo permanente, para a defesa dos direitos humanos e o combate a todas as formas de discriminação e de tirania.
Senhor presidente, nós vivemos hoje tempos melhores do que há 50 anos.
O fim da Guerra Fria liberou a agenda internacional das tensões geradas pelo conflito ideológico e propiciou crescente convergência de valores em torno da democracia, da liberdade econômica e da justiça social.
Abriram-se novos espaços para a cooperação internacional. A série de conferências que a ONU vem patrocinando -sobre meio ambiente, população, mulher, direitos humanos, desenvolvimento social- tem como grande tema unificador a busca de padrões dignos de vida para todos os povos e para cada indivíduo. O progresso humano está, assim, no centro do debate internacional.
Além dos temas dessas conferências, a vida contemporânea reapresenta desafios que merecem a atenção das Nações Unidas.
Devemos trabalhar aqui para superar, no marco complexo da globalização, um quadro persistente de desigualdades sociais e econômicas que geram desesperança e sentimento de exclusão. Os objetivos do desenvolvimento sustentável não podem ser abandonados.
E a linha entre a convicção e a hipocrisia é uma linha tênue e muitas vezes as palavras, por mais que entusiasmem, não são seguidas de ação e talvez seja esse o maior desafio a enfrentar, e a enfrentarmos em conjunto: o de que das palavras passemos à ação; de que os países que ainda estão no abandono da pobreza, que ainda têm dificuldades muitas vezes elementares para fazer frente a seu endividamento e que ainda são vítimas ou cujas populações ainda são vítimas de violência e desrespeito aos direitos humanos, que eles encontrem, nas Nações Unidas, o símbolo da esperança de que essas situações inaceitáveis efetivamente, terminem.
Devemos trabalhar, igualmente, para que os progressos extraordinários, trazidos pela ciência e pela tecnologia, se difundam, em benefício de todos.
No caso da paz e da segurança internacionais, o papel da ONU será sempre insubstituível. Em outros assuntos, ela nos ajudará a pensarmos juntos, a orientar decisões, a criar padrões novos de legitimidade.
Em todos esses temas, nossos povos esperam de seus governantes que sejamos capazes de um diálogo constante e orientado por valores verdadeiramente universais, que inspirem as várias instâncias regionais e as nações, individualmente, para a paz, o desenvolvimento e a cooperação.
Cada um de nossos países deve contribuir para que a organização tenha meios materiais para poder cumprir as missões que nós mesmos lhe confiamos.
Não é admissível que as Nações Unidas estejam atravessando sua pior crise financeira, num momento em que líderes de todo o mundo se reúnem para reafirmar o compromisso com a Carta da ONU.
Vamos ser francos. Estamos comemorando este cinquentenário com um sentimento ambíguo: vendo a ONU ser obrigada a procurar expedientes para cobrir os imensos déficits que podem inviabilizar a organização, precisamente quando melhores são as suas perspectivas.
É preciso encontrar uma saída duradoura para este impasse.
Senhor presidente, hoje venho reafirmar o compromisso brasileiro de lutar por uma ONU fortalecida e atuante.
Não é um compromisso novo, é um compromisso que consubstancia a história do Brasil nesta organização, desde a sua fundação, desde quando o Brasil enviou tropas à Europa para lutar na Segunda Guerra Mundial pela liberdade e pela democracia.
Uma história de participação, de defesa da paz e do desenvolvimento, que nos leva agora a uma disposição de assumir responsabilidades crescentes nas deliberações das Nações Unidas.
Este é o momento de celebrar a reafirmação dos ideais de justiça e paz que há 50 anos levaram à criação desta grande obra de espírito humano, que é a Organização das Nações Unidas.
Para esta celebração, o governo e o povo do Brasil reafirmam a sua disposição de transformar as palavras em atos e de romper a linha tênue que, como disse há pouco, poderia dar a impressão que a palavra é hipócrita e que falta ação. Convido-os, pois, à ação e o quanto antes. Muito obrigado, senhor presidente.

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