São Paulo, sábado, 28 de outubro de 1995
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União 'bloqueia' as ações de usucapião na periferia de SP

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A União tem contestado sistematicamente os processos de usucapião relativos a imóveis situados em São Miguel Paulista (zona leste) e Guarulhos (município da Grande São Paulo). Alega que tais imóveis lhe pertencem, pois situam-se dentro de um antigo aldeamento de índios. Por serem terras da União não poderiam ser objeto de usucapião. Pela mesma razão, as ações devem ser julgadas pela Justiça Federal.
A intervenção da União nos processos cria um conflito de competência e faz com que eles sejam remetidos da Justiça Estadual (onde são propostos) para a Justiça Federal e vice-versa várias vezes, retardando a decisão por anos (leia quadro ao lado).
São Miguel Paulista e Guarulhos são regiões muito populosas da periferia da capital. Lá há milhões de imóveis com títulos de propriedade devidamente assentados nos registros de imóveis.
"A União nunca contestou esses títulos de propriedade. A questão do aldeamento indígena só vem à tona quando surge uma ação de usucapião", afirma Francisco de Assis Ribeiro, procurador do Estado, que representa pessoas pobres em ações de usucapião.
Para Ribeiro, a intervenção da União é burocrática, e dá-se de forma estereotipada, causando enormes prejuízos para o cidadão que quer regularizar a situação jurídica de seu imóvel.
A questão não se resume a resolver de quem é a competência para julgar tais processos: se da Justiça Estadual ou da Justiça Federal. Mas a verificar se os argumentos da União procedem.
O Tribunal de Justiça (TJ) do Estado de São Paulo tem se posicionado contra a postura da União.
Mas quando a União recorre ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (sediado em São Paulo) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), os dois tribunais têm decidido que cabe à Justiça Federal julgar tais processos, por versarem sobre áreas indígenas.
Quando o processo é aberto, cabe à Justiça Estadual a primeira análise sobre a existência jurídica da declaração da União.
"A declaração da União, em termos jurídicos, não pode produzir efeitos. Insere-se entre as chamadas declarações não-sérias", afirma o desembargador do TJ José Osório.
Num acórdão em que foi relator, Osório diz que uma declaração desse tipo deve ser tida como não escrita, portanto não produz efeitos jurídicos, e deve ser desconsiderada. "Na verdade, não cabe à Justiça Estadual pedir que a Justiça Federal se manifeste sobre algo semelhante à existência de um lobisomem", diz no acórdão.
A Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo, que presta assistência jurídica às pessoas que ganham até R$ 300,00, tem um grande número de ações de usucapião nessa situação.
Em agosto, o procurador Francisco de Assis Ribeiro enviou ao chefe de gabinete do ministro da Justiça, José Gregori, um ofício informando-o sobre o problema e pedindo providências. Postado na época da greve dos correios, acabou não chegando ao seu destino.
Segundo a assessoria de comunicação do Ministério da Justiça, não havia registro do recebimento do ofício. Mas, conforme a assessoria, José Gregori demonstrou interesse pelo assunto, e disse que entraria em contato com a Procuradoria Geral do Estado para discutir o problema.

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