São Paulo, sábado, 28 de outubro de 1995 |
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"O Convento" revisita mitos do Ocidente
INÁCIO ARAUJO
É aos poucos que passamos a ter sensação dos personagens. Primeiro há Padovic, disposto a buscar num convento português elementos para demonstrar umas tantas teorias. Quem o introduz à papelada é Baltar (o notável Luís Miguel Cintra). O convento é cheio de mistérios, e à medida que eles se impõem a realidade (a sensação inicial da presença dos atores) começa a ser esquecida em favor da história (os fatos ocorridos no convento, em tempos remotos). É apenas uma ilusão. Pois logo a seguir Baltar coloca em ação seu charme diabólico e passa a dar em cima de Hélène, ao mesmo tempo em que joga para cima do professor a bela Margarida. Passamos então a outra dimensão, a do mito. Manoel de Oliveira reconta a história do Fausto, o homem que vendeu a alma ao diabo em troca de conhecimento. Estamos diante de uma operação em que o tempo está implicado -como sempre nos filmes do cineasta português: viajamos do presente imediato (a sensação dos atores, no início) à Grécia de Helena de Tróia. Vamos de miragem em miragem. Porque, como diz Padovic, toda natureza morre, apenas o espírito sobrevive. E, no caso, são espíritos (ou fantasmas, como prefere Oliveira) às voltas com antigas questões, como o combate entre a Luz e as Trevas, essas duas instâncias que sentimos tão mais indissociáveis quanto alguém nos lembra, a horas tantas, que devemos "sofrer por penetrar nas Trevas, mãe da Luz". Ao mesmo tempo, essa luta entre bem e mal envolve também o desejo. Porque, pela própria disposição dos personagens, existe uma articulação entre conhecimento e desejo (o desejo levando ao conhecimento). Oliveira parece dizer que o mal é incontornável e a natureza do homem é demoníaca. Nesse sentido, vai ao encontro das "Confissões" de Santo Agostinho e professa certo pessimismo em relação à natureza humana (embora o bem, vindo de Deus, também se realize no homem). Nem por isso, "O Convento" é um filme místico. É, sim, um filme que resgata a herança ocidental e passa terrivelmente por Portugal e sua formação cristã. Ao mesmo tempo, é um trabalho em que Oliveira, com energia e rigor exemplares, trabalha a imagem de modo a levar o espectador por diversas dimensões. O presente e a história, o teatro e o mito, o eterno e o perecível: faces de um humano que Oliveira ilumina com imagens. Filme: O Convento Produção: Portugal, 1995 Direção: Manoel de Oliveira Elenco: Catherine Deneuve, John Malkovich, Luís Miguel Cintra Onde: hoje, às 19h30, no Grande Auditório do Masp; falado em inglês e francês, legendas em português Texto Anterior: Abdias do Nascimento retrata orixás como forma de resistência cultural Próximo Texto: Filme mostra intimidade de Isaac Mizrahi Índice |
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