São Paulo, sábado, 28 de outubro de 1995
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"É uma grande brincadeira, este Drácula"

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

"Nas Trilhas da Transilvânia", o primeiro tratamento de um espetáculo que Antunes Filho pretende chamar de "Contos de Vampiro", vai estrear com menos de um mês de ensaios -segunda-feira no teatro Sesc Pompéia, como parte do festival de artes cênicas.
O diretor, cuja última montagem, "Gilgamesh", tomou mais de um ano nos ensaios, diz estar aliviado com a mudança. Está usando "Transilvânia" para escapar de "toda esta responsabilidade" de "um senhor sério".
"Eu quero tirar esta espada que está sobre mim", diz. "Quero ficar moleque de novo. É uma grande brincadeira, este Drácula. No espetáculo eu tento resgatar os bons tempos. Fazer espetáculo em um mês. A minha vida profissional toda foi de um mês."
A presença no palco seria parte do resgate dos "bons tempos", do prazer de fazer teatro. Não que Antunes tenha sido um ator. Ele diz que entrou uma única vez em cena, levado pelo diretor Osmar Rodrigues Cruz, mas esqueceu o texto, saiu "correndo do palco e nunca mais quis entrar".
A peça era "Adeus Juventude", montada "nos anos 50", lembrou ele, sem segurança. Antes, lembra de ter feito um soldado, um figurante sem falas, num "Hamlet" de Paschoal Carlos Magno. Mas não vê a experiência sequer como interpretação.
Talvez também não qualificasse a narração que deve fazer agora de interpretação. Mas é certo que vai ser "espetáculo e não ensaio", palavras dele. Também não vai ser uma aula ou coisa assim.
Mas como seria Antunes Filho em cena? O diretor Gerald Thomas, de quem Antunes fala hoje com admiração, e que fala ele próprio de Antunes com a mesma admiração, aceita arriscar uma descrição do antigo desafeto.
"Ele deve ser um ótimo ator cômico. Ele já causa esta impressão. Ele causa uma impressão muito forte, quando você o conhece." Sobre a possibilidade de Antunes Filho subir ao palco: "Eu acho maravilhoso, ótimo, acho muito engraçado. (ri)"
Muito engraçado é também a visão do ator Raul Cortez. Ele deixou a montagem porque uma operação recente na coluna não permitia os exercícios do espetáculo, mas esteve nas primeiras semanas de preparação e descreve:
"Ele faz como uma brincadeira. Com a personalidade dele, ele faz isso já com um pouco de charme. Antunes tem um gesto, uma postura totalmente diferente. É sempre muito engraçado ver o Antunes se mexer no palco. Ele é único. Ao mesmo tempo, tem um carisma muito grande."
Raul Cortez vai além: "Ele fez uma performance durante os ensaios e eu até questionei alguma coisa, que não vem ao caso agora, mas foi comovente, patética e cômica, e com uma coisa de tragédia. Eu acho a figura dele no palco, se mexendo... (ri) tudo isso já é uma performance. Ele é muito performático."
O próprio diretor de "Transilvânia", sempre recusando dar certeza sobre se vai estar em cena ou não, não falou diretamente sobre a sua possível interpretação, mas aproveitou a oportunidade para comparar-se com um outro colega de direção, tornado ator.
"Melhor do que o Zé Celso (Martinez Corrêa) eu seria, como ator. Isso eu confesso, porque ele é um canastrão de marca maior. Ele levanta os braços, ê, ê, parece que está numa tribuna. Muda o gesto, muda o gesto! (ri) Ele é muito engraçado."
O outro diretor brasileiro que entrou em cena, Gerald Thomas, falando sobre tantos encenadores disputando o palco com os atores, chega a ver uma tendência própria deste um século de modernismo, e faz as contas:
"O (polonês) Tadeusz Kantor estava no palco. Eu dava as minhas entradinhas. O (americano) Bob Wilson acabou não resistindo e fez o próprio Hamlet no palco. O (francês) Patrice Chereau agora está no palco também. O (inglês) Steven Berkoff."
Em "Transilvânia", mais do que subir ao palco, Antunes quer mostrar como vê a interpretação. No entender de Raul Cortez, "ele tem ou está procurando, inclusive aperfeiçoando, um método próprio para ator". E vai fazê-lo com o público, num espetáculo.
Para tanto, a apresentação ganhou duas partes. A primeira, diz o diretor, "compreende o CPT, que ninguém sabe o que é". Faz um apanhado da companhia desde o início da década de 80. Um apanhado do que o público não viu, do que ficou nos ensaios.
"A primeira parte, então, é um espetáculo resultante dos exercícios que nós fizemos, nas peças de Nelson Rodrigues, em 'Macunaíma', tudo isso", diz, descrevendo cenas em que "as meninas vão fazer três performances de cinema mudo" ou compor "a grande mãe bifacetada", uma deusa.
A segunda parte tem seis quadros. "São seis visões do vampiro. Tem até citação. Tem uma que é feita à maneira de Pina Bausch, outra inspirada em Kafka, e assim vai. É uma espécie de imagem cubista do vampiro."
Não há texto, ou "ainda não é português". O pouco de diálogo está na língua sem sentido já ouvida antes em "Nova Velha História". Por outro lado, "tem muito de dança", mas o diretor insiste que se trata de teatro.
O que levou ao tema foi a idéia de tomar Drácula "para criticar uma série de coisas". Em especial, o que interessou foi a sedução do vampiro. Assim, na peça, ele deve surgir com traços que levam à política, em particular à "sedução da direita".
Mas o que interessa é a atuação. "Quando você vê no teatro aquelas formas estáticas, que se movem de maneira meio estranha... Aquilo é forma pela forma", mostra Antunes, retorcendo-se, muito engraçado. "É tolice!"
E compara, "você vai ver no meu, você pode até achar chato, mas olha no olho. Olha no olho!"

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