São Paulo, quarta-feira, 1 de novembro de 1995
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Advogados discutem risco de fujimorização

DA REPORTAGEM LOCAL; DA SUCURSAL DO RIO

Artigo de Ives Gandra publicado ontem na Folha diz que proposta de reforma tributária leva à arbitrariedade
Advogados ouvidos pela Folha consideram exagerada a tese de "fujimorização" do país defendida por Ives Gandra da Silva Martins no artigo "Fujimorização à moda tucana", publicado ontem na seção "Tendências/Debates" do jornal.
Na opinião dos advogados, instituições como o Congresso, o Judiciário e a imprensa não estão com seu funcionamento ameaçado no Brasil.
A expressão "fujimorização" é uma referência ao presidente do Peru, Alberto Fujimori, que fechou o Congresso de seu país em 1992 e, a partir daí, criou um dos regimes mais autoritários da América Latina.
A maioria dos entrevistados concorda em parte com as críticas técnicas feitas por Gandra.
A ameaça de "fujimorização", segundo o advogado, decorre da proposta de reforma tributária apresentada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Gandra afirma que o projeto abre caminho para uma ditadura tributária, na qual o Executivo teria poderes de criar impostos por intermédio de medidas provisórias, quebrar o sigilo bancário dos contribuintes sem autorização judicial e exigir antecipação de pagamento de tributos sem fato gerador (sem renda que o justifique).
O tributarista Plínio Marafon concorda em parte com Gandra. É contra o fim do sigilo bancário e a possibilidade de cobrança antecipada do IR (Imposto de Renda).
Marafon diz que o texto aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara permite que o governo cobre o IR com base em uma estimativa de renda.
Se, na declaração, ficasse comprovado que o tributo fora cobrado indevidamente, a Receita Federal restituiria o valor pago a mais. A mudança é "absurda", afirma.
Mas Marafon discorda de uma das principais críticas feitas por Gandra: a de que o projeto de reforma dá ao governo poderes para criar tributos e empréstimos compulsórios por medidas provisórias.
Marafon lembra que essa possibilidade deixou de existir com a promulgação da emenda que abriu a navegação de cabotagem de turismo para empresas estrangeiras.
O texto promulgado impede a edição de medidas provisórias para tratar de assuntos relativos a emendas constitucionais aprovadas a partir de 1995 -exatamente a situação da reforma tributária.
"Há um exagero nessa perspectiva. O termo 'fujimorização' significa muito mais do que a submissão de projetos ao Congresso Nacional", afirma o advogado Miguel Reale Jr., segundo suplente do senador tucano José Serra, atual ministro do Planejamento.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, professor de direito constitucional da USP (Universidade de São Paulo), diz que Gandra tem razão ao apontar que algumas propostas do governo retiram a segurança do cidadão diante do Fisco.
Os maiores riscos, acredita, estão nas propostas de empréstimo compulsório e de quebra do sigilo bancário.
O advogado tributarista João Maurício Araújo Pinho, 59, diz que há hoje dois sistemas de "antifujimorização" no Brasil: "a imprensa e o Judiciário".
Araújo Pinho diz que o governo "ganhou o que tinha que ganhar e perdeu o que tinha que perder" quando foi ao Supremo Tribunal Federal, o que mostraria a independência do Poder Judiciário.
Segundo o tributarista, a possibilidade de quebra do sigilo bancário não preocupa porque não deverá passar pelo crivo do Judiciário. "Dá para dormir", afirma.
O advogado Sérgio Bermudes, mesmo não querendo falar sobre a questão tributária, por não ser sua especialidade, discorda do artigo de Gandra, ressalvando que é uma "divergência respeitosa".
Bermudes acredita que o fim da estabilidade do funcionalismo é um "estado de necessidade", figura jurídica que se coloca quando uma situação é grave a ponto de não oferecer alternativa.
O professor de direito constitucional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Celso Bastos concorda com a maioria das críticas de caráter técnico, mas afirma que Gandra exagerou ao transferir essas restrições para o campo político.
Para Tércio Sampaio Ferraz Jr., professor de introdução ao estudo do direito da USP, o diagnóstico de "fujimorização" é exagerado.
No caso do uso indiscriminado de medidas provisórias, Ferraz acredita que o grande problema está na atuação do Congresso.
"Os parlamentares não estão exercendo seus poderes. Não faz sentido, por exemplo, reeditar uma medida provisória por um ano pelo fato de o Congresso não tê-la apreciado", afirma Ferraz.
Em relação ao sigilo bancário, diz que há uma tendência mundial de flexibilizar as hipóteses de quebra do sigilo bancário, mas sempre por iniciativa do Judiciário.
O advogado criminalista Antônio Evaristo de Moraes Filho disse que "não há risco de fujimorização no país".
Mesmo ressalvando que não está falando de sua especialidade, Moraes diz acreditar que o Supremo Tribunal Federal julgará contra as propostas que não tiverem base constitucional. "O Supremo vota a favor e contra o governo de acordo com a lei e, por isso, não há risco para as instituições", afirmou.

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