São Paulo, quinta-feira, 2 de novembro de 1995
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Táxis e ônibus fazem história em NY

DAVID DREW ZINGG
EM NOVA YORK

A visita a Nova York no outono é intensamente ritualizada -repleta de gestos e significados ocultos.
(Estamos no Rainbow Room. A cidade se estende diante de nós, lá embaixo, luzes brilhando no frio ar noturno. A orquestra toca uma versão lenta, cheia de suíngue, de "Autumn in New York". Uma tragadinha rápida de nosso Whiskey Sour, e deslizamos para a pista de dança.)
Estou sonhando.
Na realidade, estou no banco de trás de um táxi velho, que geme em protesto por ser obrigado a abrir caminho em meio ao trânsito engarrafado, entre trancos e barrancos. Se você acha que é difícil dirigir de Guarulhos para Sampa numa manhã chuvosa, no meio da poluição, você não viu nada, Joãozinho. Pode se considerar sortudo.
O percurso entre o aeroporto JFK e a Grande Maçã é mais longo, mais complicado, mais estressante. Estou com meu narizinho grudado na janela do táxi, buscando sinais de esperança no clima frio e cinzento da cidade.
Esperança e deleite, para mim e um minúsculo contingente de seus outros fãs, estão na pessoa do aparentemente eterno mr. Bobby Short. Bobby representa uma Nova York que provavelmente jamais existiu -muito menos hoje. Mas seus modos elegantes, irreverentes, seu desempenho impecável ao piano e sua voz perfeita criam uma terra do nunca na qual todos nós pagaríamos para viver.
O inefável mr. Short supervisiona uma espécie de missa solene dedicada às pessoas de bom gosto semelhantes ao nova-iorquino mitológico que fez a reputação duvidosa da cidade durante as décadas douradas de 20, 30 e 40. Quando Bobby ergue um braço em direção ao teto, sorri o sorriso malandro de um garoto travesso e canta "Live like an Elf -Get Your Inhibitions Off the Shelf", eu não sei se choro ou rio de alegria.
Mr. Short é um monumento tão importante de Nova York que as pessoas chegam a programar suas viagens à cidade para coincidir com suas temporadas -curtas demais- no Cafe Carlyle. Um jornalista brasileiro meu amigo me disse, em julho passado, que em alguns meses iria a Nova York comemorar seu aniversário. Perguntei quando. "Quando Bobby Short começar sua temporada de outono", disse.
Mr. Short vem tocando na casa que descreve como "este glamouroso saloon nova-iorquino" há uns 30 anos. Eu o conheci na Grande Maçã, muito tempo atrás, na época dos dinossauros, quando nós dois éramos jovens e bonitinhos. Agora estamos na casa dos 70, e cá entre nós, confesso que me pareço com tudo isso.
Enquanto isso, Bobby dá a impressão de ser capaz de continuar firme para sempre e mais um pouquinho.
Coisa da cidade grande
Outono em Nova York é tempo de festas. Na semana passada, uma Jennifer amiga minha recebeu um telefonema de alguém que não conhecia, convidando-a para sair para um drinque. "Quem é você?", perguntou minha amiga.
"A gente se conheceu numa festa de artistas em East Village, na semana passada", disse o sujeito. Jenny não conseguia identificar a voz. "Como você conseguiu meu telefone?", perguntou. "Estava na tua bolsa, disse o homem. A bolsa da srta. J. tinha sido "subtraída", digamos assim, do closet, durante a festa.
Hora de fazer política
Bill Clinton, como todos nós sabemos, está vivendo na própria carne uma honrada tradição presidencial. O o que se comenta em voz baixa por aí é que hoje em dia o som que mais chama a atenção de Clinton é o de seda farfalhando sobre seda. Como há damas presentes, acho que não é preciso entrar em maiores detalhes.
No ano que vem, Clinton pretende se candidatar à reeleição, portanto ele está muito consciente do problema. Quem também está muito consciente do problema são seus inimigos, os republicanos.
Vi um adesivo colado no pára-lamas de uma limusine preta parada em frente ao Brook Club.
O adesivo dizia "Oi, Hillary, são 10 h da noite. Sabe onde está o presidente?"
Deixa pra lá
Tim Horan sempre pega o chique ônibus Fifth Avenue para ir ao centro almoçar no Gino, o restaurante que é um segredo muito bem- guardado por quem está por dentro de Nova York. Na semana passada, ele viu duas moedas de 25 cents no chão do ônibus. Tim perguntou à senhora sentada à sua frente se ela havia deixado cair as moedinhas.
A senhora deu de ombros. "Eu não me abaixo para pegar troquinho, respondeu.
Força motriz
É o táxi que já foi sinônimo de Nova York. Tinha um banco de trás tão espaçoso que poderia acomodar um filhote de elefante -se você tivesse bebido demais. Na realidade, podia acomodar cinco adultos atrás -três no banco traseiro e dois nos minúsculos "jump seats, assentos dobráveis.
Era a resposta de Nova York ao conforto nos transportes -o Yellow Cab. Os Checkers são uma relíquia da Nova York de tio Dave, da época em que a passagem de metrô custava cinco cents e a gasolina era considerada cara a seis cents o litro. O primeiro deles foi produzido em 1922 e o último saiu da linha de montagem 60 anos depois.
Hoje há uma frota crescente de táxis antigos pedindo respeito nas ruas duras de Manhattan. O retorno dos Checkers foi a brilhante idéia de um dono de limusine e do nome muito nova-iorquino de Rocco Belcastro.
Os táxis restaurados agora contam com telefones celulares e som estéreo. Como o Checker era construído como um tanque -sob medida para as ruas devastadas de Nova York-, seu andar é macio, um alívio para o bumbum do passageiro. A US$ 30 a hora, motorista incluído, também é um alívio para seu bolso.
Cats
Não se trata do nome de um musical que está há anos na Broadway e que você preferiria morrer a ser visto assistindo, porque é tão -bem, tão feito para turistas. Estamos falando de outra história dos ônibus de Nova York.
Esta cidade parece produzir quantidades enormes de anedotas estranhas. Você nunca pode ter certeza total de serem verdadeiras, mas pelo menos são o tipo de coisa que poderia acontecer de fato.
Voltando ao ônibus: esta história é contada por Patricia Marx. Um dia, no ônibus, ela ouviu o que parecia ser um gato miando em pânico. Olhando para os lados, à procura de um felino infeliz encerrado numa caixa, ela viu um homem corpulento, vestindo camisa de flanela, de trabalhador. Ela achou que deveria ter uns 50 anos.
O homem estava sentado sozinho. Ele olhava pela janela e de quando em quando miava discretamente. Os sons de gato que ele produzia pareciam exprimir uma grande gama de emoções felinas. Às vezes, depois de miar, o homem ficava olhando em volta como se também estivesse se perguntando de onde vinha o som.
A observadora tomou nota em sua agenda: "Perguntar ao médico se a síndrome dos passageiros de ônibus pode assumir a forma de ataques de gatice".

Tradução de Clara Allain

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