São Paulo, sábado, 4 de novembro de 1995 |
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Especialistas criticam projeto que pode mudar lei do aborto
EUNICE NUNES
O projeto, de autoria do deputado Severino Cavalcanti (PFL-PE), altera a redação do artigo 5º da Constituição, que trata dos direitos e garantias individuais. Insere a expressão "desde a sua concepção" no trecho que garante a inviolabilidade do direito à vida. Segundo o autor, a vida começa com a concepção, a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, e a Constituição deve protegê-la desde então. "Se não o fizer, perde a autoridade moral para proteger qualquer outro direito, que será sempre secundário em relação à vida." A idéia inicial de Cavalcanti era impedir o aborto em qualquer circunstância, mas ele diz admitir a interrupção da gravidez quando a mãe corre risco de vida ou quando o feto, comprovadamente, sofre de anomalia insuperável. Quanto à gravidez resultante de estupro, Cavalcanti é menos flexível. "Quem deve ser punido é o estuprador. Quanto à mulher, já sofreu o trauma, e não é matando o feto que vai superá-lo. É uma opção entre uma vida e uma dificuldade passageira da infeliz que foi violentada", argumenta. A Comissão de Constituição e Justiça do Congresso admitiu a proposta de Cavalcanti, com base em relatório do deputado Régis de Oliveira (PFL-SP). O assunto passou a ser debatido e analisado por uma comissão especial instalada em 17 de outubro passado. Segundo o relatório de Oliveira, caso seja aprovada como está, a proposta de Cavalcanti abolirá a lei penal na parte em que, excepcionalmente, admite o aborto. Sua opinião é partilhada pelo advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos e por Sílvia Pimentel, professora de filosofia do direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Bastos afirma que o aborto é uma questão social e, como tal, deve ser discutido à luz da realidade e não somente com base em princípios filosóficos. "Independentemente de ser a favor ou contra, é preciso ver que o aborto é praticado clandestinamente. Ele é feito de uma forma que leva muita gente à morte e ao dano físico irremediável. E não é a lei que muda a realidade, é a realidade que muda a lei", diz. Para o médico Thomaz Gollop, diretor-superintendente do Instituto de Medicina Fetal e Genética Humana de SP, o aborto é um problema de saúde pública e deve ser visto com ética e humanidade. Gollop informa que levantamento realizado nos EUA indica que são feitos cerca de 1,5 milhão de abortos anualmente no Brasil. "Na verdade, sob o manto teórico da garantia da vida desde a concepção escondem-se seguramente outros interesses, inclusive econômicos, que nada têm a ver com os direitos da mulher, com o respeito à sua cidadania e com os legítimos interesses da preservação da sua saúde", interpreta Gollop. Para Sílvia Pimentel, a proposta, se prevalecer, privilegiará a vida do feto em relação à da mãe. "Para evitar o aborto, que deve ser o objetivo de toda a sociedade, a estratégia não deve ser a repressão legal punitiva. Só pela informação, educação e serviços de saúde à disposição da população o quadro poderá ser revertido", diz. Texto Anterior: Parentes esperam 'prova de vida' Próximo Texto: País tem 385 mil internações Índice |
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