São Paulo, sábado, 4 de novembro de 1995
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Burro é quem pensa que jogador é burro

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

No Brasil, jogador de futebol tem fama de burro. Dezenas de histórias -verdadeiras anedotas- ajudam a "comprovar" a ignorância de nossos craques.
Até Ruy Castro dizer que era mentira, sempre se acreditou, por exemplo, que Garrincha, convidado a dizer um "adeus" ao microfone da rádio, teria dito: "Adeus, microfone".
Também há quem considere representativa do nível intelectual dos jogadores brasileiros aquela história, atribuída a vários, entre os quais Dadá Maravilha, que teria explicado assim um gol: "Eu fiz que fui, não fui, mas acabei fondo".
Na última quarta-feira, o zagueiro Antônio Carlos, do Palmeiras, deu uma lição aos jornalistas que insistem em ridicularizar o QI do jogador brasileiro.
Indagado por um repórter se achava que o novo técnico do time, Wanderley Luxemburgo, estava chegando ao Parque Antarctica "para somar", Antônio Carlos disparou: "Com certeza, ele não vem aqui para somar. Quem soma é máquina de calcular. Ele virá para trabalhar."
A frase do zagueiro palmeirense, além de muito espirituosa e inteligente, mostra que o problema não é o QI dos jogadores, mas o de quem faz as perguntas.
A pergunta que levou Antônio Carlos a filosofar é um dos clichês mais idiotas do futebol: "O Luxemburgo vem para somar, não é?", perguntou o repórter ao final do treino. O que um jogador pode responder ao ouvir isso?
Outra pergunta infame, que dá margem a muitas respostas idiotas, é a famigerada "qual é a sua expectativa em relação ao jogo?". Essa pergunta é uma das favoritas de repórteres de rádio e TV, e costuma ser feita ao jogador já dentro do gramado, minutos antes do início do jogo.
Coloque-se na situação de um craque, tenso antes da partida, tentando aquecer os músculos, quando ouve a pergunta: "Qual é a sua expectativa em relação ao clássico de hoje?" Imagino algumas respostas que gostariam de dar:
a) Minha expectativa é que tudo isso acabe logo e eu possa voltar para casa;
b) Minha expectativa é meter três gols, ganhar um bom dinheiro de prêmio e ser convocado para a seleção;
c) Minha expectativa é, finalmente, conseguir quebrar a perna daquele zagueiro safado que sempre me acerta o tornozelo na maldade;
d) Minha expectativa é não ser convidado para nenhum programa de entrevistas ao final do jogo e conseguir sair para jantar com a minha namorada.
Como sabem que não podem dizer nada disso, sob o risco de nunca mais serem entrevistados, os jogadores são obrigados a dizer idiotices, como essa: "O grupo está unido, vamos tentar seguir as orientações que o professor Fulano (o técnico) deu durante a semana e, se Deus quiser, sair daqui com um resultado positivo".
O jogador que diz "o grupo está unido" não é burro, ou intelectualmente deficiente, para usar o jargão politicamente correto. Antônio Carlos, ao ironizar a pergunta que lhe fizeram, teve a coragem de mostrar onde está a raiz do problema.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de Matinas Suzuki Jr.

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