São Paulo, sábado, 4 de novembro de 1995
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Festival termina em SP com premiação coerente

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Há uma incomum coerência na lista de premiados da 16ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, como pode ser conferido neste fim-de-semana. O iraniano "O Balão Branco", vencedor do prêmio do júri, confirma aqui o veredito de Cannes e Tóquio, que elegeram Jafar Panahi como a revelação do ano.
O preferido da crítica, "Lamerica", reafirma o italiano Gianni Amelio ("Ladrões de Crianças") como dos raros autores italianos dignos do título na atual produção.
Já "O Carteiro", dirigido na Itália pelo britânico Michael Radford ("1984"), recebe do público a mesma consagração emocionada obtida em sua recente estréia nos Estados Unidos.
Os jurados mostraram-se sintonizados com a singela revelação do cinema iraniano pós-Kiorastami. A crítica exercitou duplamente sua militância pela teoria do autor (tanto na escolha de Amelio quanto na homenagem a Mohsen Makhmalbaf, tema de uma retrospectiva).
O público, por sua vez, reiterou sua preferência ao cinema que sabe combinar inteligência e emoção. Nada que surpreenda, portanto.
A lista destacada não parou por ai. O júri soube fazer valer sua voz, apesar de restrito a estranhas regras (escolha a partir de uma lista de dez filmes de iniciantes, apontada pela audiência entre os exibidos na primeira semana do festival), argutamente criticadas por um de seus membros (Oja Kodar).
Dois prêmios especiais foram concedidos a "Dezesseis Zero Sessenta" de Vinícius Mainardi e a "Denise Está Chamando" de Hal Salwen.
A lembrança do irregular (e único) concorrente brasileiro é um evidente incentivo à saudável renovação de talentos que se esboça na produção nacional.
"Dezesseis Zero Sessenta", problemas à parte, rompe com o estereótipo cinemanovista que ainda pesa, sobretudo no mercado externo, sobre o filme brasileiro.
Já "Denise Está Chamando" comprova a ebulição criativa da produção independente americana. Uma ciranda de interesses amorosos desenrola-se exclusivamente sob a mediação da parafernália eletrônica doméstica de comunicação, de telefones celulares a máquinas de fax e computadores portáteis.
O filme é uma quase ininterrupta conversa telefônica. O contato humano parece banido. Os jovens se apaixonam, brigam, se reconciliam e até transam, como cantava o velho samba, pelo telefone.
O estreante Salwen assina uma das mais devastadoras fábulas recentes sobre a solidão humana no mundo contemporâneo sem recorrer a discursos apocalípticos, maneirismos formais ou clichês. "Denise Está Chamando" é um triunfo de sutileza e humor.
Os preferidos da audiência ("O Carteiro", "Terra e Liberdade", "Pasolini" e "Underground") combinam razão e sentimento, militância e emotividade.
O vencedor é uma tocante adaptação do livro "Ardente Paciência" (Brasiliense) do chileno Antonio Skarmeta. Tudo gira em torno da relação entre o poeta chileno Pablo Neruda (Philippe Noiret, simpático como sempre) e um modesto carteiro de uma ilha italiana mediterrânea.
No papel título, Massimo Troisi ("A Viagem do Capitão Fracasso"), morto precocemente no início deste ano, despede-se das telas com um desempenho monumental, a um só tempo contido e caloroso. Não poderia ter melhor cerimônia do adeus.

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