São Paulo, sábado, 4 de novembro de 1995
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A ética e a defesa da família

ARNALDO BELTRAMI

Um jornalista me perguntou sobre casamento entre homossexuais. Outro jornalista respondeu emocionado que o projeto de lei não é sobre casamento gay, mas sobre "amor homossexual". Agora o debate é sobre legalizar a "união civil" entre homossexuais. Esses três jornalistas mostram que legalizar a vida comum de casais homossexuais, com partilha de bens e imóveis, provoca "debate" complexo e revela "tendências" polêmicas.
O tema é polêmico porque a discriminação social da minoria dos homotrópicos prejudica um debate sereno e profundo. Faz a posição da igreja ser recebida em um contexto emocional muito forte. A falta de serenidade é ainda causada pela necessidade de se aprofundar a origem e a natureza da homotropia: é realidade genética ou adquirida?
A emoção é alimentada também pela complexidade das várias questões que esse assunto levanta, por exemplo, a posição da igreja sobre sexualidade, a relação entre igreja e Estado, a visão ética da igreja sobre homotropia.
A igreja vê a sexualidade humana como um "modo de ser" e não simplesmente como uma "função da pessoa". Nesse modo de ser está inscrito um "dever ser" que tem duas exigências. A realização mútua do casal em um processo pessoal de maturidade. E a realização da preservação da espécie em um processo social de procriação e educação dos filhos. Por isso, para a igreja, a gente não "deve fazer" o que bem entende no campo sexual.
Por isso a defesa da união civil de um casal visa a defesa da família. Visa mais propriamente a defesa dos filhos. O filho é valor para os pais e para a sociedade. A ética cristã reflete a união do casal a partir do filho. A proteção dada à família na lei civil deve ter esse mesmo ponto de partida.
A igreja reconhece a laicidade do Estado, que não tem religião oficial. Por isso reconhece a autonomia do Estado na definição de suas leis. Mas a igreja afirma seu direito de expressar e defender publicamente suas convicções éticas. Tem consciência de que suas convicções éticas nem sempre coincidem com as leis civis. Mas luta pela ética cristã através do diálogo e aprofundamento.
A doutrina ética da igreja sobre homotropia sempre foi uma visão crítica de condenação de toda atividade homossexual. Interpreta todo agir homossexual em duas dimensões. Como ruptura no processo humano da maturidade sexual. E como atitude incompleta na realização de suas finalidades específicas. A igreja, entretanto, luta pelo fim da discriminação social dos homossexuais. Mas essa luta contra a discriminação não significa aprovação do comportamento ético.
Por isso podemos concluir três posições da igreja. Primeiro: a igreja não aprova a legalização da união entre homotrópicos. Porque eles não constituem família no sentido pleno, que precisa de proteção do poder público. Segundo: a discriminação social dos homotrópicos é um fato cultural, que deve ser superado culturalmente, e há leis contra a discriminação. Por fim, a homotropia precisa de aprofundamento científico para que a ética possa enraizar seus juízos de valores.

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