São Paulo, sábado, 4 de novembro de 1995 |
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Estuprobrás
JOSIAS DE SOUZA BRASÍLIA - Há nos escaninhos do Congresso um cemitério de idéias tolas. Calma, calma. Já me explico. Temos 513 deputados e 81 senadores. São pessoas como nós, sujeitas a uma ou outra idéia idiota.A diferença é que nossa cota diária de tolice escorre pelas frestas da conversa fiada do dia-a-dia. A dos parlamentares, não. Fica empoçada nos escaninhos do Legislativo, na forma de projetos de lei. Volto à imagem sepulcral do início. São poucas as propostas que sobrevivem. Algumas, natimortas, não chegam a incomodar. Outras, por sorte, fenecem pelo caminho, vítimas de raquitismo intelectual. Há, porém, as que pulam por sobre a lápide e vagam como mortas-vivas pelos desvãos das comissões do Congresso. Se não houver quem as exorcize, terminam ganhando os plenários da Câmara e do Senado. Agora mesmo há um projeto-zumbi zanzando pelo Parlamento. Ele saltou da cabeça do deputado Severino Cavalcanti (PFL-PE) e pode pôr fim a uma conquista de 55 anos das mulheres. Entre os direitos fundamentais do cidadão, nossa Constituição menciona o direito à vida. O deputado quer estender a prerrogativa também aos óvulos fecundados. Assim, ainda no útero materno, o brasileiro já estaria amparado pelo texto constitucional. A proposta foi aprovada por uma comissão e está prestes a ganhar o aval de outra. O passo seguinte seria o plenário da Câmara. Sua aprovação tornaria ilegal qualquer tipo de aborto no Brasil. Mesmo o artigo 128 do Código Penal Brasileiro, que autoriza abortos quando há risco de vida para a gestante ou quando a gravidez resulta de um estupro, seria letra morta. Nada justificaria o aborto. Nada. Nosso eminente legislador acha que, mesmo estuprada, a mulher deve carregar o feto, ainda que como mera "depositária". Diz: "É preferível ela ter o bebê e deixar que o Estado tome conta dele do que praticar o aborto". Ótimo. Criaremos a Estuprobrás, uma estatal para cuidar dos filhos do estupro. Creio que o projeto deveria abrir exceção ao menos para um tipo de aborto. Os parlamentares teriam de abortar toda e qualquer idéia que resultasse do cruzamento da idiotia com o falso moralismo. Texto Anterior: Rossi tinha razão Próximo Texto: O exemplo de Laval Índice |
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