São Paulo, sábado, 4 de novembro de 1995
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O exemplo de Laval

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Leitor da rua Noronha Torrezão, acho que no número 417 ou 477, em Niterói, enviou-me suculenta epístola reclamando de crônica na qual eu teria comparado FHC a Pierre Laval, que se tornou símbolo do colaboracionismo e foi fuzilado pelos franceses depois da Segunda Guerra Mundial.
Naquela ocasião, FHC chamara de burros e impatriotas os que se opunham às suas reformas, através das quais ele pretende alinhar o Estado ao neoliberalismo que está em moda como prática política e ideológica em algumas partes do mundo. Laval teve seu momento de FHC: ele estava convencido de que o nazismo seria a salvação do Ocidente, de maneira geral, e da Europa, de maneira particular.
Aliando a pujança da economia e do trabalho alemão à inteligência e criatividade francesa, ele garantia que o mundo seria europeu novamente, sem comunismo e sem americanismo, com a Alemanha produzindo força e a França produzindo inteligência.
Em uma sessão da Assembléia Laval perdeu a paciência: era tão poderosa a sua certeza que ele investiu contra os adversários da idéia de colaborar com o nazismo. Chamou-os de burros e, segundo testemunhas da época, chegou a cuspir em um deles, em sinal de desprezo intelectual.
Não tenho porque mudar essa comparação. Sete anos atrás, FHC e os demais tucanos eram entusiastas da Constituição do dr. Ulysses, em cujo cívico saco todos se penduravam para bicar as migalhas da glória. A adesão ao neoliberalismo equivale, em termos de novidade velha, à eficiência nazista, àquele regime que jogou a democracia social para o lixo da história. Opondo-se ao mesmo tempo ao comunismo e ao capitalismo, o nazismo era a porta do futuro e faria o Terceiro Reich alemão durar mil anos, apoiado na eficiência e na força dos indivíduos e povos mais capazes.
Laval acreditou nisso. Nada tinha particularmente contra ou a favor dos judeus e do Tratado de Versalhes -dois ingredientes locais do nazismo. Era a favor da idéia central: a eficiência na economia, dela derivando o bem-estar da sociedade. Quem pensava diferente só podia ser burro.

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