São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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Déficit público é novo desafio do Real

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

No mês em que obtinha a inflação mais baixa e o maior nível nas reservas internacionais, setembro último, o Plano Real mergulhava em uma outra dificuldade: as contas públicas faziam água em todos os níveis, do governo federal aos estaduais e municipais.
Havia uma desconfiança de que isso estava por acontecer, mas, quando aconteceu, foi pior do que o esperado. Já em julho, membros da equipe econômica lamentavam que neste ano não seria possível repetir o resultado do ano passado, quando o setor público conseguiu um superávit.
Ou seja, ao final de 1994, os governos federal, estaduais e municipais, depois de terem pago todas suas contas, inclusive de juros, ficaram com uma sobra. Foi uma sobra modesta, equivalente a 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma das mercadorias e serviços produzidos no ano).
Modesta, mas importante para os primeiros seis meses do Plano Real. Entre as múltiplas causas da inflação brasileira, uma é o estouro das contas públicas.
Quando chega ao final do ano devendo mais do que arrecadou, o governo aumenta sua dívida ou emite moeda para pagar o excesso, nos dois casos fazendo pressão sobre a inflação.
A meta era repetir o superávit em 1995. Mas em julho último, membros da equipe econômica já diziam que, na melhor das hipóteses, haveria um zero a zero. No final de agosto, já admitiam um déficit entre 1% e 2% do PIB.
Hoje, nos gabinetes econômicos de Brasília, ninguém se espanta diante de uma previsão de déficit entre 3% e 4% do PIB.
Para 1996 espera-se entre 2% e 3% de déficit, e só para 1997 algo um pouquinho melhor. Equilíbrio, só em 1998, depois das privatizações e das reformas administrativa, previdenciária e tributária.
A situação não é desesperadora, nem o Plano Real sofre ameaças imediatas, segundo a expectativa da maioria dos analistas do setor privado. Mas o assunto mudou. Não está mais nos índices mensais de inflação ou no comércio externo, mas nas contas públicas, que não eram problema no ano passado e início deste.
É a dinâmica dos programas de estabilização. Quando se acerta um setor, estraga-se o outro. E assim vai, na dependência da habilidade da equipe econômica de administrar cada caso.
Em nível mais amplo, o programa depende da capacidade política do presidente FHC de promover as reformas que arrumam de vez a economia.
Em todo caso, os números das contas públicas explicam algumas mudanças imediatas do governo. Por exemplo: quando o ministro da Saúde, Adib Jatene, pretendeu revitalizar o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira, no primeiro semestre, a área econômica torceu o nariz.
Agora, está toda ela empenhada na aprovação do imposto. Vai precisar dele para fechar as contas de 1996. E o Fundo Social de Emergência tornou-se absolutamente essencial. Sem ele, o governo federal faz um déficit de quase R$ 4 bilhões, em 1996. Com ele, vai praticamente a zero.
Tudo considerado, se verifica que a política monetária de juros altos e crédito apertado é necessariamente provisória.
Se desaqueceu a economia, derrubou a inflação e melhorou o comércio externo, mostrou que, mantida, estoura as contas financeiras. O problema, pois, é como amenizar a política monetária, sem estragar os outros lados.

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