São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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Dívida em dólar volta a ser "in"

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Foi um tema meio oculto no noticiário das últimas semanas; chamou mais a atenção quando Gustavo Franco, diretor do Banco Central, foi ao Senado pedir autorização para emitir mais papéis no exterior. Afinal, o governo brasileiro teria optado por uma nova fase de endividamento no exterior?
Também os argentinos e mexicanos estão às voltas com a busca de cada vez mais recursos nos mercados internacionais para financiar suas estabilizações.
O Fundo Monetário Internacional publicou no início do ano pelo menos dois estudos sobre o tema.
Um trata diretamente do papel do endividamento em moeda estrangeira na administração da dívida pública (Working Paper 95/21, de fevereiro, por Patrick de Fontenay, Gian Maria Milesi-Ferreti e Huw Pill). Outro, num enfoque mais abrangente, examina as relações entre a dívida pública mundial e as taxas reais de juros (Working Paper 95/30, de março, por Robert Ford e Douglas Laxton).
O estudo de Ford e Laxton coloca em dúvida uma das teses mais respeitadas entre os economistas acadêmicos e que, aliás, explica em parte o Nobel de Economia deste ano, dado a Robert Lucas.
É a hipótese conhecida como "equivalência ricardiana". Os agentes econômicos racionais, diante do crescimento da dívida pública, antecipariam o aumento futuro de impostos. Desde já começariam a poupar, financiando assim a dívida. Déficits e dívidas públicas, afinal, seriam neutros.
O estudo do FMI mostra que não há evidências nesse sentido. Ao contrário, as taxas de juros subiram como resultado do maior endividamento nos países da OCDE desde os anos 60.
Os autores imaginam um "mecanismo de transmissão": a dívida pública adicional num país qualquer aumenta a dívida mundial, levando afinal a juros mais altos em todos os países. Suas conclusões reforçam o ideal de maior cooperação entre os governos, todos buscando harmonizar globalmente suas políticas fiscais.
O ideal parece tão longínquo da prática quanto a hipótese da "equivalência ricardiana". Nem os mercados e agentes são tão racionais a ponto de poupar agora o que antecipam de impostos futuros nem os governos parecem dispostos a cooperar tanto em matéria de déficits e dívidas.
Já o trabalho sobre endividamento em moeda estrangeira lembra a vasta literatura sobre as vantagens e desvantagens da administração da dívida pública.
Aos poucos, parece surgir um consenso em favor de emitir dívida em moeda estrangeira. A dívida interna, em moeda local, cria um estímulo indireto às tentativas de reduzir dívida com inflação.
Ao emitir dívida em moeda estrangeira, o governo "amarra as próprias mãos": é o mesmo que indexar a dívida, praticamente elimina a hipótese de reduzir a dívida por meio da inflação.
Segundo um dos estudos resenhados pelo FMI, os governos "de esquerda" teriam maior inclinação a emitir dívida indexada ou atrelada à taxa de câmbio. Seria uma forma de o governo aumentar a dívida sem aumentar a inflação ou limitar o crescimento, aumentando as suas chances eleitorais.
Estratégia macro
Outra observação entra como uma luva em casos como México, Brasil e Argentina. É o que os autores chamam considerações macroeconômicas "estratégicas". Para dar mais credibilidade a seus planos antiinflacionários, emitem-SE papéis no exterior.
O efeito final poderia ser a redução dos juros internos, pagos pela dívida em moeda local, se os governos convencessem os mercados de que a estratégia de endividamento externo firma a opção por inflação baixa e câmbio estável.
Vale citar: "Tomar emprestado na moeda de países com inflação baixa, onde as taxas nominais de juros são relativamente baixas, reduz o custo financeiro no curto prazo e assim (artificIalmente) o déficit público. No curto prazo, isso pode relaxar as restrições fiscais de um governo cujo horizonte temporal é encurtado pela possibilidade de perder o poder".
São considerações técnico-financeiras. Mas oportunas para as economias latinas, nas quais os limites políticos da estabilização a ferro e fogo ficam a cada dia mais claros.

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