São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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A qualidade mudou o Brasil

LUÍS NASSIF

Para esse pessoal que considera que mudam-se países com "big bangs" cambiais, recomenda-se ir ao encontro sobre qualidade total, que ocorrerá em São Paulo esta semana.
O representante da Brahma vai poder contar como em três meses de programa de qualidade total ganhou uma fábrica nova. A produção da unidade de Jacareí foi de 8 milhões para 9 milhões de hectolitros/ano -o equivalente à fábrica que vão construir na Argentina.
O representante da Sadia poderá explicar o milagre do preço do frango ter caído pela metade, e as empresas do setor estarem batendo recordes de produtividade e rentabilidade.
O representante da Companhia Siderúrgica Nacional vai poder dizer como a companhia tornou-se tão eficiente que os americanos não acreditaram que estivesse exportando com lucro bobina quente. Abriram um processo por dumping e o relatório da MacKinsey comprovou que o preço era em função da eficiência.
O representante da Caraíbas Metais explicará como a empresa escapou de um prejuízo crônico de US$ 50 milhões a US$ 70 milhões/ano para um lucro de US$ 45 milhões com um ano de qualidade total.
No INSS o programa está começando agora. Mas em 96 vai ser o "case" mais interessante.
Homem público
Por trás desse milagre real está a Fundação Christiano Ottoni, ligada à Escola de Engenharia, da Universidade Federal de Minas Gerais, e seu grande guru, Vicente Falconi, o homem mais admirado e mais detestado da área de consultoria.
A admiração vem das 2.200 empresas a quem a fundação já assistiu, dos 140 mil gerentes treinados e dos 200 mil leitores que adquiriram seus livros.
A raiva vem dos consultores, porque em vez de cachês milionários, Falconi cobra preços quase irrisórios. Em vez de dinheiro no seu bolso, recursos para a fundação. O consultor mais respeitado do país ganha menos de US$ 10 mil mensais.
A fundação foi criada há 20 anos, para vender serviços de consultoria dos professores. O início foi na área de controle de processos. Trabalhando com empresas siderúrgicas, eles constataram que, quando se tenta otimizar um processo, há um momento em que sofre a interferência de outros processos em andamento, e é bloqueado.
O grupo passou a buscar soluções mais abrangentes. Acabaram batendo nos japoneses, que já eram os grandes fornecedores de assistência técnica das siderúrgicas brasileiras.
Em 1984, Falconi obteve bolsa da OEA e foi para o Japão. Lá descobriu o método da qualidade total e tornou-se seu apóstolo. Era um sistema de gestão integrado, passando pela produção, projetos, compras, atendimento.
O início
Falconi voltou e entrou em contato com José Israel Vargas, na época secretário de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e do Comércio.
Conseguiu US$ 60 milhões, de uma verba de US$ 500 milhões do Banco Mundial.
Com esse dinheiro, renovaram-se laboratórios nacionais de metrologia, aparelharam-se fundações e bibliotecas e enviou-se milhares de brasileiros para o exterior, atrás dos conceitos de qualidade. Parte foi para o Japão, parte para a Inglaterra, onde absorveram os conceitos da ISO-9000. Na mão dupla, contrataram-se professores estrangeiros.
Parte dos técnicos optou pela ISO-9000. Na Fundação Christiano Ottoni optou-se pela linha japonesa, porque juntava abordagem humana com a técnica.
No próximo dia 8, 500 pessoas estarão reunidas em São Paulo para o balanço anual dos resultados.
Pelos depoimentos, poderá ficar mais claro para a mídia que países são construídos por processos culturais, disciplina e criatividade. Não por golpes de juros e de câmbio.

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