São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Breve história da cosmologia

RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em agosto de 1914, na reunião anual da Sociedade Norte-Americana de Astronomia, um astrônomo norte-americano, Vesto Melvin Slipher (1875-69), do Observatório de Lowell, anunciou que alguns objetos celestes se deslocavam com velocidade dez vezes superior à das estrelas mais rápidas.
Mais incrível ainda era o fato de que todas as nebulosas espirais, com uma única exceção, pareciam se afastar do nosso sistema solar.
Assistia-se ao prelúdio de uma das maiores revoluções na imagem estática do cosmo, que havia sido pacientemente elaborada durante vários séculos por gerações de astrônomos. Surgia o embrião da imagem de universo dinâmico.
Talvez por mera coincidência, entre os ouvintes, encontrava-se um jovem estudante que havia se convertido à astronomia depois de seus estudos de direito: Edwin Hubble (1889-1953), que seria uma das peças fundamentais dessa revolução cósmica.
Desde o início do século 20, o universo estava ainda assimilado à Via Láctea. No entanto, havia dúvidas com relação à sua real dimensão. Para o holandês Jacobus Kapteyn (1851-1922), a galáxia possuía um tamanho relativamente modesto: 26 mil anos-luz.
A essas idéias se opunha o astrônomo norte-americano Harlow Shapley (1885-1972), do Observatório de Mount Wilson, cuja visão do universo sideral então conhecido se baseava no estudo de associações muito compactas de estrelas, fáceis de observar em todo o céu. Shapley havia avaliado a distância desses objetos por intermédio da observação de estrelas chamadas variáveis cefeidas.
Segundo esse processo, desenvolvido em 1908 pela astrônoma Henrietta Leavitt (1868-1921), o tempo que a estrela leva para variar o seu brilho estava intimamente associado à sua intensidade luminosa intrínseca. Assim, a determinação do tempo de variação de brilho numa cefeida permitia estimar a sua luminosidade absoluta. Ora, comparando este valor com o brilho aparente, era fácil deduzir o seu afastamento.
Shapley, que se ocupou em identificar e estudar o tempo de variação das cefeidas com o objetivo de determinar as distâncias dos aglomerados globulares, encontrou distâncias com valores muito elevados, por exemplo, 96 mil anos-luz para a distância do aglomerado M13. Supondo que estes aglomerados estavam associados à galáxia, Shapley deduziu em 1917 que a Via Láctea era dez vezes maior do que o modelo sugerido por Kapteyn.
Universo estático
Albert Einstein (1879-1955), consciente da importância da teoria da relatividade generalizada nas pesquisas cosmológicas, procurou desenvolver equações de explicassem o universo.
Seu primeiro artigo sobre o assunto apareceu em 1917, quando expôs o primeiro modelo cosmológico da nova era: um universo estático, homogêneo, não-limitado, mas espacialmente finito. Não se imaginava ainda que o universo pudesse sofrer uma evolução.
Para que suas equações relativistas se aplicassem a um tal universo, Einstein foi obrigado a introduzir um termo suplementar: uma constante cosmológica. Alguns anos depois, Einstein consideraria a introdução desta constante o mais belo erro de sua vida.
No mesmo ano, o astrônomo holandês Willem de Sitter (1872-1934) encontrava uma outra solução matemática para as equações da relatividade geral aplicadas ao universo. Como Einstein, o universo de De Sitter era matematicamente estático e compreendia também uma constante cosmológica. Todavia, ao contrário do einsteiniano, ele era vazio.
Na realidade, o universo sitteriano parecia estático unicamente porque era vazio: era suficiente introduzir um pouco de matéria para que viesse a ocorrer a sua expansão. Na verdade, para a época, esses trabalhos teóricos pareciam tão afastados das observações astronômicas que eram considerados uma "diversão para os matemáticos geniais do início do século.
Expansão do Universo
Na Rússia, em 1922, um jovem teórico, o meteorologista Alexandre Friedman (1888-1925), mostrou que as equações da relatividade geral não admitiam uma única solução, mas um conjunto.
As soluções de Friedman não eram estáticas: a distribuição da matéria, além de homogênea, correspondia nitidamente a um Universo em expansão. Ao descobrir um erro em sua própria exposição, Einstein classificou o resultado de Friedman como "elucidativo.
Observações realizadas por outro astrônomo de origem holandesa, Adriaan van Maanen (1884- 1946), levavam mais dúvidas ao debate: suas medidas das velocidades aparentes de rotação das nebulosas espirais forneciam valores muito elevados. (Em 1935, Hubble mostrou que essas medidas eram totalmente errôneas).
Além do mais, as enormes velocidades de afastamento das nebulosas, determinadas por Slipher em 1914, implicavam um problema muito sério: como explicar que objetos tão rápidos permanecessem no interior da galáxia?
Os participantes do debate não chegaram a nenhum consenso; não se conseguiu determinar as dimensões da galáxia nem decidir se a Via Láctea era a única.
Essa era a imagem experimental do Universo em meados do segundo decênio do século.
Em 1916, o astrônomo George Ellery G.E. Hale (1868-1938), diretor do Observatório de Mount Wilson, onde estava instalado o telescópio de 2,5 metros, o maior do mundo na época, convidou Edwin Hubble para observar as nebulosas de fraca luminosidade, assunto de sua tese no Observatório de Yerkes, em Wisconsin, EUA.
Mas a guerra retardou a sua vinda: Hubble só começou a observar em Mount Wilson em agosto de 1919, depois de sua volta da Europa. À medida que observava, Hubble adquiriu convicção de que as nebulosas constituíam, na realidade, outras galáxias, com bilhões de estrelas, como a Via Láctea.
Em 1923, uma estrela variável que Hubble observava há muito tempo, na nebulosa de Andrômeda, revelou-se uma cefeida. Segundo a lei de período-luminosidade de Leavitt, essa galáxia deveria estar a 978 mil anos-luz. O anúncio teve uma enorme repercussão, ultrapassou os próprios limites da comunidade dos astrônomos. O Universo tinha mudado definitivamente de escala. Depois de estabelecer as distâncias das nebulosas espirais, concluiu Hubble que era hora de pesquisar as velocidades.
Em 1924, o astrônomo alemão Karl Wilhel Wirtz (1876-1939) sugeriu pela primeira vez a idéia de que existia uma relação entre os desvios para o vermelho e as distâncias das galáxias: "Objetos mais distantes parecem se afastar com mais rapidez.
Em Mount Wilson, com o telescópio, Hubble dispunha de condições excepcionais para resolver a questão. Em 1929, ao apresentar seus resultados na revista da Academia Nacional de Ciências, afirmou que havia "utilizado somente as distâncias de nebulosas reconhecidas como confiáveis.
Hubble colocou esses diferentes dados, correspondentes a duas dezenas de pontos, sobre um diagrama. Uma reta, desenhada no meio dessa nuvem de pontos, materializou a relação linear entre as velocidades e as distância das galáxias. Essa relação se transformou, mais tarde, na "lei de Hubble. A inclinação da reta -o coeficiente de proporcionalidade entre as velocidades e as distâncias- deu origem à famosa constante de Hubble.
No último parágrafo do seu artigo, Hubble discorre ligeiramente sobre as consequências que os resultados teriam sobre as teorias cosmológicas então em competição: a expansão do universo.
Dois anos antes, mais exatamente em 1927, um jovem engenheiro civil, recentemente ordenado padre, George LemaŒtre (1894- 1966), professor de astronomia na Universidade de Louvain (Bélgica), havia publicado, nos Anais da Sociedade Científica de Bruxelas, um modelo de universo intermediário entre os de Einstein e de De Sitter: suas soluções sugeriam um universo em expansão. LemaŒtre previu que a luz proveniente das nebulosas deveria mostrar um deslocamento para o vermelho.
Na realidade, é difícil para alguns abandonar a imagem de um universo estático, que possui ainda vários ilustres adeptos. A partir dos anos 50, a hipótese ficou célebre pela designação inglesa "big bang, expressão cunhada pelo astrônomo e escritor inglês Fred Hoyle (1915-) numa série de palestras radiofônicas sobre astronomia na BBC de Londres.
A confirmação dessa teoria, segundo a qual o universo teria surgido de uma grande explosão deu-se quando Hubble, em 1929, registrou que as galáxias vizinhas à Via Láctea -onde está situado o Sistema Solar- se afastavam, sugerindo que de fato a expansão do universo era observável.
Na realidade, a idéia da explosão começou a ter muita aceitação depois de 1964, quando os físicos americanos Arno Penzias (1933-) e Robert Woodrow Wilson (1936-), dos Laboratórios Bell, em Nova Jersey (EUA), descobriram uma radiação de fundo uniforme e homogênea em todo o Universo.
Aliás, desse momento em diante, a idéia de um "big bang, de uma singularidade inicial, passou a ter uma aceitação quase unânime na comunidade científica e foi interpretada na época como a principal comprovação da teoria, segundo a qual o cosmo teria surgido da grande explosão de um átomo primordial, de densidade infinita.
Como essa radiação parecia, à sensibilidade dos radiotelescópios, uniforme e homogênea em qualquer direção que se observasse, era muito difícil explicar a heterogeneidade do universo. Por outro lado, como se explicaria a formação das estrelas e galáxias se a temperatura residual gerada pela grande explosão, há 15 bilhões de anos, se apresentava homogênea?
Para redimir essa principal dúvida e outras relativas à radiação residual, os astrônomos projetaram o lançamento de um satélite em órbita ao redor da Terra, com sensores centenas de vezes mais sensíveis que os utilizados antes.
Com este objetivo, em 18 de novembro de 1989, a NASA lançou um satélite Cobe (Explorador do Fundo Cósmico), de USŸ 400 milhões, conduzindo em seu interior três experimentos científicos destinados ao estudo da origem do Universo e à procura das radiações emitidas pelas primeiras galáxias.
Na realidade, esse radiotelescópio orbital foi construído com objetivo de captar as mais débeis radiações, em particular radiação cósmica de fundo, resíduo primordial da grande explosão.
Para estudar a tênue radiação fóssil, os astrônomos projetaram um dos mais sensíveis instrumentos, o DMR (Radiômetro diferencial de microondas), capaz de estimar variações de aproximadamente cem milionésimos de grau.
Após um ano, durante o qual foram feitas mais de 300 milhões de medidas ultraprecisas, o Cobe forneceu o primeiro mapa da radiação de microondas, onde se registraram variações de temperatura da ordem de algumas dezenas de milionésimos de grau em relação à radiação residual cósmica.
Tais radiações parecem representar os vestígios "das maiores e mais antigas estruturas do universo. Por intermédio dessas flutuações, que datam de 300 mil anos depois do "big bang, é possível explicar por que o Universo é constituído por estruturas gigantescas, como aglomerados, superaglomerados e muralhas de galáxias no interior de grandes vazios.
Tudo parece indicar que o Universo foi moldado por alguma matéria invisível e desconhecida -a "matéria escura- que produziu 90% a 95% de sua matéria total.
Assim, logo após o "big bang, sob influência dessa matéria invisível, as pequenas flutuações, registradas pelo Cobe começaram a se agrupar em estrelas e em galáxias para constituir as titânicas formações que existem entre os grandes vazios no universo.
Ao contrário do que parece sugerir a maior parte dos livros sobre a origem do Universo, o "big bang não tem só defensores.
Alguns astrônomos notáveis não hesitam em recusar essa teoria.
O próprio astrônomo Hubble -pai do Universo em expansão- quando descobriu a fuga das galáxias, considerava essa interpretação do desvio para o vermelho como mera hipótese, em 1937, sugerindo que a luz poderia perder energia durante seu trajeto.
Finalmente, convém lembrar que essas descobertas também poderão servir a outras teorias cosmológicas, como a da criação contínua e a do universo oscilante

Texto Anterior: As medidas do infinito
Próximo Texto: Remédio pode combater doença neurológica
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.