São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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As medidas do infinito

HELIO GUROVITZ
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

A medida do infinito
Um número que causa dores de cabeça nos cosmólogos há mais de 30 anos pode estar perto de ser achado: a constante de Hubble.
Esse número mede a velocidade de expansão do Universo. Com ele, cientistas são capazes de deduzir quando tudo começou.
Basta imaginar que a expansão do cosmo é um filme rodando. Se o filme anda com um uma certa velocidade, deve ter começado em determinada época para ter chegado ao ponto em que está.
Mas não é apenas por determinar o instante inicial do Universo que a constante de Hubble dá dor de cabeça nos cosmólogos. Seu valor exato pode obrigá-los a reformular a teoria mais aceita para explicar o início do cosmo.
E pode, inclusive, derrubar a tese segundo a qual tudo surgiu na grande explosão que ficou popularizada como "big bang".
"Há um longo debate sobre a constante de Hubble há mais de 30 anos, com as personalidades permanecendo mais ou menos fixas", disse à Folha o astrônomo Nial Tanvir, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), autor da última avaliação precisa da constante, publicada em setembro passado na revista "Nature".
O primeiro a calcular o valor do número foi o próprio Edwin Hubble, em 1929, depois de comprovar que o Universo está em expansão. Mas o valor estimado por Hubble era bastante grosseiro. Com telescópios melhores, astrônomos aperfeiçoaram as medições e obtiveram valores mais precisos.
Mas sempre houve um valor considerado o limiar capaz de decidir se conhecemos ou não o passado do Universo: hoje gira em torno de 70 quilômetros por segundo por megaparsec (megaparsec é a distância que a luz percorre em 3,26 milhões de anos).
Se a constante de Hubble estiver acima desse valor, então a velocidade de expansão do cosmo é muito alta. Tão alta que a expansão pode ter começado há bem menos tempo do que se imagina.
Isso significa que o Universo pode ser muito jovem. Paradoxalmente, mais jovem que algumas estrelas e galáxias (cuja idade é medida por outras técnicas).
Como seria possível que o Universo -que contém tudo- seja mais jovem que uma de suas partes? Resposta: é impossível.
Se isso for verificado, estará provado que em algum momento os cientistas se enganaram. Seria preciso, então, rever a teoria.
Alguns astrônomos, como o norte-americano Allan Sandage, garantem que o valor da constante fica abaixo do ponto crítico (70) e que as hipótese cosmológicas atuais estão bem sustentadas.
Suas medidas fornecem números que vão de 30 até pouco mais de 50. Mas, desde a década de 70, seus dados são contestados. Outros pesquisadores encontram números que vão de 65 a pouco mais de 90.
Por causa das condições de observação na Terra, todas essas medidas tinham grande margem de erro e pouco significado concreto. Para tirar a teima sobre o número, cientistas lançaram ao espaço o telescópio orbital Hubble.
No espaço, sem interferência da atmosfera, a visão dos confins do Universo é bem mais límpida. Com as imagens do Hubble, as estimativas seriam mais confiáveis.
Ano passado começaram, enfim, a sair as primeiras estimativas com base em imagens do Hubble. Foi uma ressaca. Pesquisadores obtiveram um valor próximo de 80 -o que sugere que há contradição na teoria aceita desde Albert Einstein e causa mais dor de cabeça.
Em setembro, Tanvir divulgou outras medidas, obtidas com base no telescópio espacial. Seu número, cerca de 69, mantém a expectativa. "Dentro de pouco mais de um ano, será insustentável colocar a constante num intervalo de erro muito grande", afirma.
Com isso, os pesquisadores podem confirmar que há mesmo algo de podre na teoria cosmológica.
Aí terão de decidir se abandonam a idéia de que tudo teve um início no "big bang", se reavaliam a quantidade de matéria do universo ou se desistem de vez dos números -e da dor de cabeça.

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