São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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Nos bastidores do show eleitoral

GERALDO WALTER
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Vende-se Política" não é um manual para aqueles que querem aprender os segredos das campanhas eleitorais. Também não é um livro sobre os grandes políticos e suas histórias. Trata-se de um estudo sobre os assessores encarregados de fazer os políticos brilharem nas campanhas eleitorais ou nos governos, sobre os homens que fazem o chamado marketing político. O trabalho de Laurence Rees é resultado de uma série de programas feitos para a BBC sobre o poder da mídia que, inclusive, já foram exibidos pela TV Cultura.
Na verdade, o poder da mídia nas campanhas americanas é o poder da televisão, e é nessa esfera que boa parte do livro se desenvolve. Mais do que em qualquer país do mundo, nos Estados Unidos a influência da mídia paga na TV decisiva nas disputas eleitorais.
E é por isso que o consultor de imagem é a segunda coisa mais importante da campanha depois do candidato. Goste-se ou não do seu trabalho ou de sua ética, eles são decisivos para o sucesso de qualquer candidatura. A tática é simples, e eles não a escondem: apresentar, sem pudores, a melhor imagem do candidato e ocultar os seus defeitos. Quanto melhor o consultor, mais tempo o eleitor demora para perceber os defeitos.
Todo esse mito sobre os consultores de imagem americanos começou em 1960, com um episódio que Rees não conta no seu livro: a apertada vitória de John Kennedy sobre Richard Nixon, quando a televisão entrou para a história da política. No debate final, Nixon recusou-se a ser assessorado e apareceu sob uma iluminação ruim, mal barbeado, com um terno pouco televisivo, suando muito, contrastando com a imagem limpa e bem iluminada de Kennedy. As pesquisas foram definitivas: os que ouviram o debate pelo rádio deram a vitória a Nixon, os que o viram pela TV, elegeram Kennedy.
Depois de 1960, qualquer candidato que realmente deseja vencer passou a levar a sério os consultores de imagem. O próprio Nixon, anos depois, já presidente, mostrou que nunca esquecera a lição:
"Confie totalmente no seu produtor de televisão, deixe que ele lhe maquie, mesmo que você não suporte ser maquiado (...). Isto me desanima, eu detesto fazê-lo, mas, por ter sido queimado uma vez porque não o fiz, nunca mais cometi esse erro e eu insistiria com veemência com todos os futuros candidatos que estejam certos de lembrar que, mais importante do que o que você diz, é como você aparece na televisão".
Indisfarçado admirador de Josef Goebbels, Rees traça um interessante paralelo entre os comportamentos dos consultores americanos e os ensinamentos do mestre da propaganda de Hitler, para constatar que a boa propaganda política deve se parecer, o mais possível, com programas de entretenimento. Para Goebbels e seus modernos seguidores, "o intelectualismo é o pior inimigo da propaganda".
Uma passagem interessante analisa a disputa Stevenson x Eisenhower, no início da década de 50, quando o grande político democrata menosprezou a televisão, ainda incipiente, insistindo em fazer longos discursos, quando já era obrigado a competir pela atenção do espectador com "I Love Lucy" ou com os comerciais de produtos. Do outro lado, o general Eisenhower reuniu um time de "experts" em TV e criou um programa no qual dava respostas curtas e rápidas a várias pessoas contratadas para fazerem perguntas. Se, no estúdio, o general reclamou ("Um velho soldado tendo que chegar a esse ponto"), nas urnas, deu uma surra em Stevenson.
O mais interessante personagem do livro é Michael Deaver, assessor de imagem da Casa Branca na época do presidente Reagan. A ação de Deaver é uma coisa que merece ser bem estudada por todos aqueles que realmente desejam construir uma boa imagem como político ou como governante na era da televisão. Deaver conta como foi possível firmar a imagem de Reagan como um líder carismático, um presidente que só era capaz de enfrentar a imprensa com um script previamente ensaiado. Os jornalistas não vão gostar de ler a descrição das "entrevistas informais" nos jardins da Casa Branca, quando o mecanismo de proteção do presidente, que Deaver concebeu, levava a imprensa à loucura.
Como todo inglês, Rees não gosta de admitir derrotas de seus compatriotas e faz de tudo para explicar por que os consultores ingleses não conseguem o mesmo sucesso dos americanos. Suas explicações soam desnecessárias: esse é um trabalho que não tem modelos universais, tem que ser adaptado à cultura e à história política de cada povo e de cada nação. Certamente os "experts" americanos têm muito o que ensinar a todos aqueles que trabalham com a construção de imagens de políticos no mundo todo, mas quem quiser copiar modelos certamente vai se dar mal.
"Vende-se Política" é um bom perfil sobre o trabalho dos consultores de imagem americanos, mas é difícil de ser entendido pelo leitor que não esteja familiarizado com o modelo das campanhas políticas americanas. Muitas vezes faltam notas explicativas, e o leitor fica completamente perdido no meio de exemplos e citações que não são conhecidos no Brasil.
Mas, se o livro vai bem quando trata das campanhas americanas, fracassa de verdade quando tenta analisar fenômenos políticos provocados pela televisão fora dos Estados Unidos. Mostra exemplos na Romênia, Índia, Peru e Brasil. A análise da desastrada candidatura presidencial de Silvio Santos, em 1989, é o exemplo brasileiro escolhido, mas certamente é a parte mais fraca do livro. Existem erros grosseiros de informação, avaliação e análise. Faltou ao autor uma pesquisa mais competente dos fatos e maior conhecimento da realidade política brasileira.

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