São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sobral vem com nova cozinha portuguesa

JOSIMAR MELO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Existe uma cozinha moderna em gestação em Portugal. É o que pretende demonstrar o chef português Vitor Sobral, que estará em São Paulo, entre os dias 16 e 26 de novembro, para o Festival da Nova Cozinha Portuguesa, no restaurante L'Arnaque.
Aproveita ainda para dar aulas de culinária, com receitas do livro "Nova Cozinha Portuguesa", que ele lança ainda este ano.
Com 28 anos, nascido perto de Lisboa, mas de família alentejana (de onde vem sua principal influência culinária), Sobral já tem uma respeitável experiência profissional.
Estudou hotelaria em Portugal, fez estágios na França e na Bélgica e foi durante três anos (até 1993) chef do Alcantara Café, o charmoso e estrelado restaurante de Lisboa. Hoje é chef geral do hotel Sofitel desta cidade.
Sobral considera que a cozinha portuguesa ainda está presa ao passado, mas que uma nova geração de chefs aponta para um caminho mais moderno, que une tradição e novas técnicas culinárias. Ele quer mostrar esta tendência, ainda emergente, aos brasileiros, que para ele ainda têm uma visão "tacanha" de Portugal, como disse à Folha, por telefone.

Folha - Como é a gastronomia portuguesa hoje?
Sobral - A gastronomia portuguesa está hoje completamente maltratada por todos, inclusive pelos chefs de cozinha. Portugal não acompanhou a evolução por que passou a gastronomia em outros países. A própria mídia tem parte de responsabilidade por isso, já que não divulga novos talentos, fica presa somente ao passado.
Folha - Existe uma nova vertente de chefs renovadores?
Sobral - Sim, mas pequena. São poucos os chefs inovadores, cinco ou seis, o que é ínfimo diante da riqueza gastronômica do país. O fato é que, apesar desta riqueza, a profissão de cozinheiro não é valorizada em Portugal. É um pouco como acontece no Brasil.
Folha - Esta riqueza gastronômica tem sido preservada?
Sobral - Sim, mas não nos grandes centros. É no interior de Portugal que se come realmente bem.
Folha - A existência de normas de padronização da União Européia, que tem limitado, por exemplo, a produção do vinho português, ameaça os produtos e a tradição gastronômica do país?
Sobral - A tentativa de padronização traz realmente o perigo de deturpar as características regionais. Mas está havendo um forte movimento na Europa no sentido de respeitar as características próprias de produtos de regiões demarcadas. Assim, por exemplo, o queijo da Serra da Estrela, que não se encaixaria nas normas gerais, continua sendo produzido.
Folha - Existe uma moderna cozinha portuguesa? Como é ela?
Sobral - Sim, existe. É um movimento que se inicia. É uma cozinha baseada na essência, os aromas e sabores dos produtos tradicionais, mas feita com novas técnicas culinárias. Ela incorpora também novos produtos -os kiwis, por exemplo, eram desconhecidos dez anos atrás em Portugal, e hoje são comuns aqui. Mas trata-se fundamentalmente de resgatar o uso de produtos como os defumados, os azeites, as ervas aromáticas, o uso tradicional do alho e da cebola. Esta cozinha está renascendo em Portugal, mas utilizando-se novas técnicas, novos equipamentos e uma nova apresentação dos pratos.
Folha - Dê um exemplo de como você pratica esta nova cozinha.
Sobral - Quero mostrar que no Brasil existe uma forma errada de pensar Portugal. O país não é como os brasileiros o vêem, de uma forma um tanto tacanha. Percebi isto quando estive no Rio de Janeiro, um ano atrás, participando de uma Quinzena da Cozinha Portuguesa no restaurante Grill One. Portugal não é só passado, evoluiu muito em termos culturais, tanto na música, na pintura, como na moda. E agora também na cozinha.
Folha - Que tipo de visão você sentiu que os brasileiros têm da cozinha portuguesa?
Sobral - Só estive no Rio e nos arredores e, ao menos nesta região, percebi que mesmo os restaurantes portugueses passam uma visão errada, muito pouco autêntica, a começar pelos ingredientes utilizados, que não são os mesmos que usamos aqui.
Aliás, não entendo por que, com a quantidade de portugueses que vivem no Brasil, há tão poucos ingredientes daqui. Os italianos, por exemplo, são muito melhor servidos. Até os azeites, que existem com tamanha variedade em Portugal, quase não se encontram no Brasil.

Evento: Festival da Nova Cozinha Portuguesa
Convidado: chef Vitor Sobral
Quando: de 16 a 26 de novembro.
Local: restaurante L'Arnaque (r. Oscar Freire, 518, tel. 280-0081, Jardins)

Texto Anterior: Um filósofo que o ocidente adora
Próximo Texto: COELHO AO MOLHO DE NEGOCIANTE DE VINHOS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.