São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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Propaganda de empresa de gás ofende japoneses

The Independent
De Londres

RICHARD LLOYD PARRY

Parecia uma idéia boa. A companhia Osaka Gas percebeu que alguns de seus clientes em Kobe nutriam idéias equivocadas sobre alguns aspectos de seu produto.
Por isso, ela criou uma campanha informativa dirigida ao público. Cartazes chamativos foram expostos em 50 edifícios residenciais na região de Kobe, com a mensagem: "Ninguém Comete Suicídio com Gás Natural".
A reação à campanha foi imediata, mas não exatamente aquela que a companhia previa. "Esperávamos, sinceramente, que os cartazes ajudassem a conscientizar nossos consumidores sobre a utilização correta da energia", disse um porta-voz da empresa. "Mas em vez disso recebemos uma enxurrada de reclamações."
A empresa procurava explicar que o gás natural, diferentemente do gás de carvão antigamente utilizado, não contém o monóxido de carbono, cuja inalação pode ser fatal. Um candidato a suicida que quisesse se matar com gás natural só poderia fazê-lo se provocasse uma explosão de gás -hipótese que implicaria na morte de vários vizinhos também.
Mas o que o anúncio queria dizer, na interpretação dos clientes, era que a Osaka Gas não se importa se você cometer suicídio, desde que não use seus equipamentos para isso. E isso deixou muitos desses clientes indignados.
Os cartazes tocaram numa ferida aberta em Kobe. Desde o terremoto que deixou 6.000 mortos em janeiro, os suicídios vêm aumentando, juntamente com o alcoolismo, a depressão e outras formas de doença mental.
Nove meses e meio após o desastre, os trens, as estradas e os serviços públicos (incluindo o gás) já voltaram ao normal. Mas 50 mil unidades pré-fabricadas ainda abrigam sobreviventes.
No início de outubro, o número oficial de suicídios pós-terremoto já chegava a 22, mas os psicólogos e assistentes sociais acreditam que o total real seja mais alto.
A morte voluntária tradicionalmente exerceu um papel central na cultura japonesa, mas, hoje em dia, à medida que a população envelhece, está se transformando no modo de fuga dos velhos e também dos muito jovens.
Estatísticas mostram que, em 1994, 86 crianças de 14 anos ou menos se mataram, um aumento de quase 50% em relação ao ano anterior; entre os estudantes um pouco mais velhos, o aumento foi de 300%, de 22 para 87.
A suicida mais velha foi uma mulher de 99 anos. Ela deixou uma carta explicando que não suportava mais as dores provocadas pelas doenças que sofria.
As pressões que afetam os jovens são muito mais variadas: maus resultados em exames escolares, impopularidade na escola, maus-tratos por parte de colegas. O suicida mais jovem foi um garoto de 9 anos que se matou depois de ser repreendido pelos pais.
A Osaka Gas observou uma tendência semelhante: depois de cair para apenas dez em 1990, as tentativas de suicídio por gás em sua área de atuação aumentaram outra vez -para 16- no ano passado.
Nenhuma delas deu resultado, é claro. Agora, graças aos cartazes, os candidatos a suicidas têm mais chances de acertar de primeira.

Tradução de Clara Allain

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