São Paulo, segunda-feira, 6 de novembro de 1995
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Crítica militante

FERNANDA PEIXOTO

A possessão colonial inglesa é parte integrante e fundamental do enredo, mostra Said, marcando um contraponto nítido entre o espaço doméstico -cenário privilegiado da trama- e os espaços mais amplos. "Mansfield Park" vincula, de modo inequívoco, as realidades do poderio britânico no ultramar ao mundo doméstico da propriedade Bertram. A "Aida" de Verdi, por sua vez, é interpretada a partir de suas referências às estruturas imperialistas e da versão que a Europa construiu do Egito, uma vez que se trata de uma das primeiras obras culturais do século 19 construída com o auxílio de uma autoridade acadêmica no campo da egiptologia.
Se na primeira parte do livro (capítulos 1 e 2), Said apresenta sua proposta teórico-metodológica, demonstrando-a por análises precisas e instigantes, na segunda parte do volume, o tom da análise e do relato se alteram. Aí, o exame detalhado dá lugar a um mapeamento mais rápido de autores e obras, sobretudo no capítulo terceiro onde o autor procura jogar luz sobre a produção cultural dos países situados na "periferia" do sistema imperial, com o exame de seus literatos (Fanon, Cesaire e Amilcar Cabral, entre outros) e de seus ensaístas (por exemplo, Rajanajit Guha e S.H. Alatas). No último capítulo, o autor se aventura a pensar sobre as sombras que a empresa imperial do 19 projetou sobre o período contemporâneo, tomando como exemplo a política internacional norte-americana.
O caráter polêmico deste livro de Edward Said pode ser verificado pelas críticas contundentes e defesas apaixonadas que recebeu durante o ano de 1993 nos principais jornais e revistas norte-americanas. Porém, só a recusa da polêmica extremada -que condena ou canoniza- torna possível a discussão do valor das idéias da obra. Há muito que aprender com a crítica cosmopolita e humanista realizada por Said, com sua postura intelectual que evita reducionismos e alarga os horizontes já tantas vezes visitados pelos debates sobre o imperialismo.

NOTAS
1. Edward Said é autor de vários títulos sobre literatura, música, política e história cultural de modo geral. Depois de "Cultura e Imperialismo" publicou "The Politics of Dispossession, 1969-1994" (1994) e "Representations of the Intelectual" (1995).
2. Sobre o "Orientalismo", ver Thomaz, Omar Ribeiro. "O Espelho Partido", "Novos Estudos", nº 37, São Paulo, Cebrap, 1993.

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