São Paulo, segunda-feira, 6 de novembro de 1995
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A revolução rural de Patrocínio

LUÍS NASSIF

No início de 1990, Aguinaldo José de Lima, um paulista que havia vendido postos de gasolina em São Paulo para tornar-se cafeicultor em Patrocínio (Triângulo Mineiro), percebeu que seu patrimônio iria se esboroar, por conta da crise que acometia o setor.
O país acabava de sair da hiperinflação, vivia os percalços do bloqueio de cruzados, e anunciava-se o fim do Instituto Brasileiro do Café. A grande crise do cooperativismo tradicional estava em marcha. Se solução havia, teria que ser encontrada no âmbito do próprio setor.
Barbudo, tido como petista pelos fazendeiros da região, Aguinaldo armou-se de discursos estranhos, montou uma chapa com pequenos e médios produtores rurais, venceu as eleições para a direção da Associação dos Cafeicultores de Patrocínio (Acarpa) e deu início à mais profunda revolução cultural que o associativismo brasileiro experimentou nas últimas décadas.
Revolução cultural
Seu programa de ação propunha, entre outros itens, melhorar os preços do café da região através da melhoria da qualidade e da produtividade, com o apoio do Sebrae estadual.
As estratégias de apoio não incluíam montagem de lobbies em Brasília. Mas "implementar estratégias de marketing para a Acarpa e para o café do cerrado", "desenvolver tecnologia de produção" e, "efetuar a comercialização direta do produto" -palavras estranhas para um meio que há décadas tenta e não consegue caminhar pelas próprias pernas.
Desde o início, o projeto-Acarpa procurou corrigir vícios do cooperativismo convencional -por isso, talvez prefira ser enquadrado na categoria do associativismo.
O cooperativismo tradicional é igualitário. Na Acarpa, procuram-se as vantagens de somar forças, mas sem inibir a criatividade individual. Na maior parte das cooperativas de café, a produção dos diversos cooperados é misturada no mesmo balaio, para evitar diferenças de preços. Na Acarpa, cada partida de café é avaliada individualmente, pagando-se mais pelas de melhor qualidade.
Para evitar a repetição de casos de cooperativas ricas, dominadas por burocracias opulentas, sustentadas por cooperados miseráveis, a estrutura burocrática da Acarpa é enxutíssima, e ela está proibida por estatuto de possuir bens próprios.
Para administrar o armazém geral local, por exemplo, montou-se um sistema de condomínio, onde cada sócio dispõe não apenas de uma cota-parte, mas de espaço próprio no armazém, proporcional à sua participação.
Em seu espaço, ele pode armazenar seus produtos ou alugá-lo para terceiros. Mensalmente recebe relatórios detalhados sobre a utilização do espaço. Só não pode conflitar com os objetivos centrais, definidos no estatuto: o de preservar e manter o padrão de qualidade do "café do cerrado".
Frutos
O último avanço da Acarpa foi na área das relações trabalhistas. Foi constituído um Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista Rural de Patrocínio (NICTRP), pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, integrado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Patrocínio, Sindicato Rural de Patrocínio e por um Conselho de Arbitragem, que praticamente eliminou a mediação judicial no setor.
Em 1991, quando a torrefadora italiana Illy Café, sediada em Trieste, instituiu o "Prêmio Brasil de Qualidade do Café para Expresso", a Acarpa tratou de difundí-lo entre os associados, sabendo que poderia alavancar sua imagem a partir dali. Dos 50 produtores classificados no último concurso, em outubro de 1994, 66% são do cerrado mineiro.
Hoje em dia, a região produz o melhor café do Brasil. Dispõe de programas de qualidade, marca própria, comercialização nos Estados Unidos e no Japão. E tudo começou há menos de cinco anos.
Disseminado pelo país, esse modelo fará mais pelo campo do que a soma zero da bancada ruralista, do Incra, da Igreja e da UDR.

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