São Paulo, segunda-feira, 6 de novembro de 1995
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"A Próxima Vítima" parou até as saunas

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Já na última quarta-feira, o televisor da sauna masculina de um dos tradicionais clubes paulistanos dos Jardins estava ligado num dos derradeiros capítulos de "A Próxima Vítima". A novela se tornou assunto até no ambiente de trabalho hipermasculino das oficinas mecânicas. Causou revolta entre os balconistas de uma padaria, privados de aparelho televisor. Virou programa de sexta-feira, acompanhado de deliciosas comidinhas em inúmeras casas de São Paulo. Mereceu telão no Lanterna, espaço nos maiores jornais e declarações de líderes políticos como Vicentinho e ACM.
A identidade do assassino da novela das oito era também assunto nas mesas de restaurantes japoneses frequentados pela classe média alta da cidade. Mobilizou intelectuais e professores, acadêmicos das universidades. Durante o último capítulo, as ruas ficaram vazias. O supermercado estava às moscas. O programa de mulher, recheado de anúncios de requeijão, fogão e geladeira, mostrou que expande seu raio de alcance e se tornou o assunto público.
É claro que essa expansão está plenamente legitimada pela abordagem sensível com que "A Próxima Vítima" tratou temas delicados e polêmicos, como o homossexualismo e a diferença de raça. Mas certamente não foram estas questões que galvanizaram a atenção dos telespectadores nos últimos capítulos. Nossa curiosidade estava bem representada no brilho vitorioso nos olhos com que Irene (Viviane Pasternak) acompanhou o espetáculo de revelações comandado pelo delegado (Paulo Betti).
Meu amigo mexicano, acostumado à falta de notoriedade que os inúmeros dramalhões seriados gozam no seu país, estranha se sentir envolvido pelas elucubrações em torno da novela. Muita gente foi arrastada à frente do aparelho.
O último capítulo segurou, não sem transmitir uma certa sensação de brincadeira. Ao menos em contextos de audiência coletiva. A novela policial não pode ser como o filme, onde cada detalhe será alinhavado posteriormente em uma trama milimetricamente calculada. Novela é improviso sujeito aos sabores da audiência, dos autores, da indústria e das relações entre eles. A artimanha está nesse percurso. O final alinhava possibilidades, pontas soltas que ficaram para trás. Quase que cria uma nova história, capaz de conter até a aparição de galãs encarnando personagens mágicos para satisfazer outros, insatisfeitos com as opções que lhes restaram na trama.
Há múltiplos desfechos possíveis, sem que a história perca coerência. A ponto de Portugal merecer um diferente. E aqui o que impressiona não é a jogada de marketing. Mas é a noção clara da produção de que, de alguma forma, "em português nos entendemos". O primeiro folhetim eletrônico brasileiro exibido no país que já foi nossa metrópole colonial inaugurou uma linha de sucessos. "Gabriela" passou na terrinha logo após a Revolução dos Cravos. A novela ficou famosa por parar do Parlamento aos ônibus interurbanos -em torno de personagens femininos fortes, da sensualidade e do romance.

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