São Paulo, segunda-feira, 6 de novembro de 1995 |
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Para Maazel, música é versão sonora da filosofia
JOÃO BATISTA NATALI
Quando: hoje, amanhã e quarta Onde: Teatro de Cultura Artística Programa: R. Strauss, Mahler, Rossini e Prokofiev Ingressos: de R$ 15,00 a 150,00 Lorin Maazel, 65, possui a reputação de um maestro rigoroso e inovador pelo lirismo de suas interpretações. "A música é a tradução da filosofia em sons", disse ele à Folha. Por sua vez, a Sinfônica da Rádio da Baviera atingiu nos anos 70, com seu ex-diretor Rafael Kubelik, a excelência própria das grandes orquestras alemãs. Maazel está novamente a São Paulo para três apresentações, desta vez na temporada da Sociedade de Cultura Artística. Eis trechos de sua entrevista. Folha - O sr. gravou este ano Richard Strauss, dirigiu-o em Salzburgo e agora faz dele o prato de resistência de sua turnê. Qual a razão dessa escolha? Lorin Maazel - Há um ressurgimento do interesse por ele, a meu ver por um conjunto de razões. Sua música é complexa e "moderna", sem deixar de ser acessível ao grande público. Ele também escreveu para grandes orquestras, capazes de produzir uma sonoridade opulenta, no momento em que o público aparentemente se cansa de pequenas formações especializadas. Escolhi também Strauss porque estou viajando com uma orquestra amplamente capacitada a executá-lo. Folha - O sr. estudou matemática e filosofia. Foi importante, como músico, a incursão nesses campos do conhecimento? Maazel - Estou convencido de que uma boa educação humanística é um requisito para a formação de um músico sério. A música é a tradução da filosofia em sons. Só com a reflexão o intérprete pode atingir o significado da grande música, para só então comunicar a essência das obras-primas ao seu público. Folha - O sucesso e o desempenho técnico de algum outro maestro chegaram a despertar no sr. algo parecido ao ciúme? Maazel - De forma alguma. Sob suas diversas formas, o ciúme é responsável pela impossibilidade de os seres humanos se relacionarem mutuamente de forma correta. Também evito qualquer vaidade derivada do sucesso pessoal. Folha - O maestro Pierre Boulez afirma que as sinfônicas estão à beira de uma crise de identidade, provocada pela aparição dos grupos de instrumentos de época, como o barroco só sendo interpretado por formações idênticas às dos séculos 17 e 18. Maazel - Creio que a crise está para se instalar, mas não por esse motivo. O público está a meu ver se cansando de ouvir a grande música executada de maneira medíocre. Estamos caminhando para critérios mais seletivos de separação entre o amador e o verdadeiro profissional. Dito isso, só executo repertório escrito para orquestras do tamanho e com os instrumentos que dirijo. Não caio na armadilha que consiste em "divulgar" por meio do falseamento. Folha - Poucos maestros tiveram, tanto quanto o sr., a oportunidade de dirigir as grandes orquestras dos Estados Unidos e da Europa. No que elas seriam fundamentalmente diversas? Maazel - Há uma internacionalização na origem dos músicos e no repertório. Inexiste qualquer diferença fundamental. Isso é com frequência comprovado, por mim, ao não ter problema algum com quebra de estilo ao requisitar músicos locais durante minhas turnês. Folha - O sr. estreou duas peças de Luciano Berio. É uma exceção em sua aproximação do repertório contemporâneo? Maazel - Berio é uma das exceções em sua capacidade de capturar o público. Muitos outros não conseguem. Folha - O sr. sucedeu ou foi assistente de grandes nomes como Toscanini, Fricsay ou Klemperer. Qual deles o marcou? Maazel - Meu único mestre e professor foi Vladimir Bakaleinikoff e, além dele, o único maestro que em minha juventude realmente me impressionou foi Victor de Sabata, que continuo a considerar como um dos maiores maestros de todos os tempos. Folha - Depois da queda do Muro de Berlim, as orquestras ocidentais têm recrutado centenas de instrumentistas do Leste Europeu. Que efeitos isso produziu na maneira de interpretar? Maazel - Esses músicos são excelentes, trouxeram uma sensibilidade própria e conseguiram perder rapidamente a timidez que os marcava com relação ao repertório ocidental contemporâneo. Folha - Alguma orquestra do Leste que era pouco conhecida no Ocidente chegou a surpreendê-lo em termos de qualidade técnica de execução? Maazel - As orquestras que se apresentavam com certa frequência no Ocidente já eram e continuam excepcionais, mas a média das formações nos países comunistas se mantinha, a meu ver, num patamar bastante sofrível. Folha - O sr. dirigiu a orquestra e os cantores em três filmes de ópera: "Don Giovanni", com Losey em 1979; "Carmen", com Rosi em 1983; e "Otelo", com Zeffirelli em 1985. Há outros projetos em andamento? Maazel - Não, não tenho nenhum projeto nesse campo. Folha - O sr. está gravando na íntegra todas as óperas de Puccini. Alguma razão especial? Maazel - É verdade, num projeto iniciado há duas décadas e que, para ser concluído, ainda prevê três últimas óperas. Gosto dele, não apenas por suas qualidades detalhistas, por seu cuidado no acabamento, mas porque meu pai, um cantor profissional, o interpretava com frequência e muito bem. Folha - De todas as orquestras com as quais o sr. veio ao Brasil (Pittsburgh, Cleveland, Viena, Nacional da França, etc), qual deles lhe deu a maior satisfação musical? Maazel - Creio que foi a Sinfônica de Pittsburth, mas por uma simples razão: foi a orquestra da qual fui por mais tempo o diretor musical. Espero continuar excursionando com escalas no Brasil enquanto minha saúde e minha agenda assim o permitirem. Texto Anterior: Brasília com vaselina é fácil de governar Próximo Texto: Cherryl Studer traz revelação da voz Índice |
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