São Paulo, segunda-feira, 6 de novembro de 1995
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Por quê?

CLÓVIS ROSSI

BUENOS AIRES - Fazia já umas quatro horas que o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin havia sido baleado na praça dos Reis, em Tel-Aviv, local de uma grande manifestação pela paz.
Um bom número dos que haviam participado do ato voltou à praça e, velas à mão, formava com elas a palavra "lama" (por quê? em hebraico).
A CNN, a emissora por excelência da globalização, jogava a pergunta para todo o planeta. Salvo erro de memória, o antecedente mais próximo de um assassinato de tamanho impacto foi o de John Kennedy (1963), em uma época em que não havia CNN e as notícias chegavam pelo velho telex e, pelo menos no Brasil, iam ao ar pelas rádios muito mais do que pela TV.
Hoje, fica-se sabendo das coisas com mais detalhes, mais cores, mais imagens, mais velocidade, mas o "por quê" continua tão ou até mais desafiador do que antes de se inventar a palavra globalização.
Afinal, é difícil entender que um prêmio Nobel da Paz possa morrer de forma violenta. Ainda mais, assassinado não por um descendente dos milenares adversários dos judeus, mas por um judeu. E em nome de Deus, como se todos os paradoxos anteriores já não bastassem.
Pelo menos para os judeus, vai ser muito difícil, também, aceitar a idéia de que o fanatismo não é uma exclusividade dos xiitas do islamismo. Há xiitas em penca mesmo entre os que jamais ouviram falar no Corão.
A terra supostamente dos judeus é dos judeus, não pode ser dividida com qualquer outra tribo -eis o argumento xiita que armou a mão assassina.
Vale para incontáveis outros assassinatos cotidianos em muitas outras tribos e que não aparecem na CNN, porque as vítimas (e, não raro, os assassinos) são anônimos.
Entre os riscos e dividendos da pertença à tal aldeia global e o conforto de se apegar à aldeia em seu conceito ancestral, de convivência apenas entre os que se acham iguais, há uma multidão que prefere a segunda hipótese. Seja qual for o material com o qual se constrói a aldeia (cor, etnia, riqueza ou religião).

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